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Perseguida por bruxaria e queimada viva: Joana D'Arc virou santa e heroína

Ilustração de Joana D'Arc, queimada em fogueira em 30 de maio de 1431 Imagem: Ann Ronan Pictures/Print Collector/Getty Images

Matheus Adami

Colaboração para UOL

30/05/2024 04h00

A história de Joana D'Arc - que é celebrada hoje (30) - se confunde com verdades e lendas. Heroína na Guerra dos Cem Anos, ela é uma santa perante os católicos. Conheça a história da santa padroeira da França.

Data de nascimento incerta

Não há registros históricos da data de nascimento de Joana D'Arc. Sabe-se que ela nasceu na cidade francesa de Domrémy-la-Pucelle. A morte, sim, é precisamente registrada: 30 de maio de 1431, em Rouen, também na França. Que ela existiu, não há dúvidas.

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"O que se tem é a documentação da morte, já que ela foi uma prisioneira de guerra. Ninguém nasce santo. Um santo se constrói. Não faz uma grande diferença se ela existiu ou não. Se há um processo devocional em torno dela, ela existe", diz Valéria Rocha Torres, doutora em ciências da religião pela PUC-SP e mestre em história pela Unicamp.

A morte é muito mais importante para o santo do que o nascimento, tanto que a data se comemora no dia da morte. Fora que ela teve uma vida camponesa.
Valéria Rocha Torres

Joana D'Arc, inclusive, foi pivô de um contexto político muito complexo, que envolveu a França e Inglaterra.

Vozes e visões divinas

D'Arc teria nascido em meio à Guerra dos Cem Anos, batalha que foi travada entre britânicos e franceses pela sucessão do trono da França.

Do lado inglês estava a Casa Plantageneta; do francês, a Casa de Valois. Ao fim do conflito, que durou 116 anos, a França saiu vitoriosa e consolidou a monarquia com o rei Carlos VII.

A futura santa era, naquela altura, uma camponesa muito religiosa. A relação de Joana com a igreja era tão profunda que ela dizia ter visões divinas e ouvir vozes.

Uma dessas visões, em especial, teria sido de três santos: São Miguel, Santa Catarina de Alexandria e Santa Margarida de Antioquia. E isso teria sido decisivo para um episódio particular da Guerra dos Cem Anos.

Vim conduzir teus exércitos à vitória.
Joana D'Arc

As mensagens de São Miguel Arcanjo, Santa Catarina de Alexandria e Santa Margarida de Antioquia para Joana D'Arc foram claras: ela deveria ir até Carlos VII para conduzir os exércitos da França.

Joana, que era uma adolescente de 15 ou 16 anos — não há registros precisos da idade —, foi ao encontro do rei e o convenceu, não antes de vários testes e provas.

A partir deste momento, Joana D'Arc entrou para o exército. Sai a camponesa e surge a guerreira. Praticamente uma versão feminina de São Jorge.

"Ela teria se vestido de homem por conta do exército. Segundo uma narrativa, diz-se que ela não passa por nenhum treinamento. Ela corta os cabelos, veste a armadura, pega a espada e o estandarte. Em todas as narrativas, os homens a obedeciam", afirma a historiadora.

No campo de batalha, D'Arc teria sido a comandante do exército francês no chamado Cerco de Orleans. A data da vitória teria sido 8 de maio de 1429. Pouco mais de um mês depois, em 17 de julho de 1429, Carlos VII era coroado rei da França, em Reims. E Joana se tornou um símbolo de vitória e liberdade.

Joana D'Arc é queimada na fogueira

Depois de Orleans, Joana tentou conduzir os franceses à vitória em Paris. Desta vez, ela foi derrotada, o que abalou a confiança do povo e dos soldados na guerreira.

Em 24 de maio de 1430, D'Arc teria sido presa por franceses aliados aos ingleses. A partir daí, ela teria sido julgada e condenada. A "ficha prisional" de Joana D'Arc incluiu heresia e bruxaria.

"Isso ocorreu com mais força por ela ser mulher, em posição de destaque. Acho que bruxaria foi o motivo concreto por causa das circunstâncias de vida dela, das visões que afirmava ter", analisa o historiador Leandro Faria de Souza, doutor em ciências da religião da PUC-SP.

Em 30 de maio de 1431, ela morreu, queimada viva com apenas 19 anos. Tudo não passou, de acordo com os historiadores, de guerra política.

Pós-morte: perdão e canonização

Se morreu condenada pela Igreja Católica, a qual sempre foi devota, Joana foi santificada com o passar do tempo. Em 1456, começava o revisionismo histórico.

As acusações foram oficialmente retiradas e a Casa de Valois, do agora coroado rei Carlos VII, voltou a ter Joana D'Arc como um símbolo.

Ao longo dos anos, o mito de Joana D'Arc cresceu cada vez mais. Durante o governo de Napoleão Bonaparte, imperador da França entre 1804 e 1814 — e, posteriormente, por um breve período em 1815 —, Joana foi declarada símbolo oficial da França. Em 1909, ela foi beatificada; em 1920, veio a canonização. O motivo da santificação de Joana D'Arc foi o martírio pela qual ela passou na fogueira.

"Ela foi martirizada, mas também tem uma questão mística. Os místicos são aqueles que tiveram uma experiência de intimidade radical com Deus. E o mártir é aquele que dá a sua vida pela palavra de Deus. Tanto que, segundo a tradição, no momento em que ela seria queimada viva, ela teria repetido seis vezes o nome de Jesus", afirma Dayvid da Silva, professor e coordenador do curso de Teologia da PUC-SP.

Santa Joana D'Arc, inclusive, rompeu as fronteiras da Europa. Há igrejas dedicadas a ela no Brasil. Nas religiões afro-brasileiras, ela é sincretizada como Obá, orixá que também é uma guerreira.

Joana D'Arc e o simbolismo de liberdade

Para chegar até o Brasil, Joana precisou ganhar de vez o coração dos franceses. E Napoleão foi fundamental para essa consolidação.

"Napoleão foi responsável pela tentativa de resgate dos valores franceses. E todo resgate de valor precisa de uma figura. Aí a gente consegue dialogar com a figura de Joana D'Arc para a França e fazer um paralelo com Tiradentes, no Brasil, durante a República. Ambos tiveram a mesma função de resgate de valores nacionais", avalia Leandro Faria de Souza.

E a imagem que ficou tem relação direta com liberdade e empoderamento. "Ela foi uma figura feminina e que não tem o arquétipo típico. Ela se vestiu de homem, lutou na guerra. Em todas as narrativas, os homens a obedeciam. Independentemente do que acontece, ela é representativa de um poder feminino que é emblemático, neste caso, naquele contexto", finaliza Valéria Rocha Torres.

A oração de Joana D'Arc

"Ó Santa Joana D'Arc, vós que, cumprindo a vontade de Deus, de espada em punho, vos lançastes à luta, por Deus e pela Pátria, ajudai-me a perceber, no meu íntimo, as inspirações de Deus. Com o auxílio da vossa espada, fazei recuar os meus inimigos que atentam contra a minha fé e contra as pessoas mais pobres e desvalidas que habitam nossa Pátria.

Santa Joana D'Arc, ajudai-me a vencer as dificuldades no lar, no emprego, no estudo e na vida diária. Ó Santa Joana D'Arc atenda ao meu pedido (faça seu pedido). E que nada me obrigue a recuar, quando estou com a razão e a verdade, nem opressões, nem ameaças, nem processos, nem mesmo a fogueira.

Santa Joana D'Arc, iluminai-me, guiai-me, fortalecei-me, defendei-me. Amém!"

*Texto publicado originalmente em 30/05/2021

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