Ingredientes do desperdício
As perdas de alimentos em todo o mundo preocupam e significam séria ameaça à erradicação da pobreza e da fome. Por isso mesmo, desperdício foi a palavra mais presente em todas as manifestações alusivas ao Dia Mundial da Alimentação em 16 de outubro passado.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que completou 70 anos na mesma data, divulgou que a cada ano 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçados no mundo. Tal quantidade corresponde a custos anuais de US$ 750 bilhões que poderiam ser investidos no combate à fome, segundo a organização.
Se comparado ao estimado pelo relatório que José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO, apresentou à presidente Dilma Rousseff em 10 de julho passado, esse valor do desperdício cobriria com folga a necessidade anual de US$ 267 bilhões para alimentar os famintos do mundo pelos próximos 15 anos.
Um ganho e muitas perdas
No final de 2012, o Brasil já havia superado a primeira meta (reduzir a pobreza extrema e a fome à metade do nível de 1990) dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (de 2000 ao final de 2015) que a ONU propôs aos países-membros da Organização.
Com esse ganho, saímos do mapa da fome da FAO, mas permanecemos firmes no mapa do desperdício. Enquanto cerca de 13 milhões de pessoas ainda passam fome no país, a ONG Banco de Alimentos, que atua em São Paulo, divulgou que “O Brasil é considerado pela FAO um dos dez países que mais desperdiçam comida em todo o mundo”.
A ONG faz a ponte entre a coleta de alimentos excedentes nos estabelecimentos comerciais e a distribuição gratuita dos mesmos para instituições assistenciais. De acordo com dados da Embrapa citados por ela, as muitas perdas de alimentos no Brasil equivalem a 26,3 milhões de toneladas que vão para o lixo todo ano.
Tanto os números mundiais quanto os nacionais poderiam ser ainda mais surpreendentes se às contas do desperdício fossem acrescentados os custos com produção, serviços e insumos necessários para que um pé de alface chegue à banca da feira, um churrasco faça a festa do final de semana, uma fruta fresca complete a refeição à mesa.
Problemas no plantio, manuseio, transporte, embalagem e armazenamento de alimentos são apenas parte do pacote de desperdício. Nessas etapas, mas não só nelas, há o consumo de energia, água, conservantes, combustíveis e, é claro, o serviço, a mão de obra.
Qual a melhor receita
Educação e mudança de hábitos são as orientações sempre repetidas por todos aqueles que buscam soluções para o problema do desperdício.
É preciso insistir nesses pontos porque, para mudar, precisamos aprender a produzir, transportar, armazenar e consumir. Da mesma forma que também precisamos aprender a descartar.
Para o movimento Gastronomia Responsável, quatro princípios reduzem o impacto da gastronomia no meio ambiente: usar integralmente os alimentos para evitar o desperdício; não usar espécies que estejam ameaçadas de extinção; comprar alimentos orgânicos, que são produzidos de forma mais natural, sem o uso de agrotóxicos; optar por produtores locais, o que reduz a quantidade de gases de efeito estufa no transporte e incentiva o comércio da cidade.
Para Alan Bojanic, representante da FAO no Brasil, o desperdício é responsabilidade de todos e precisa ser tratado com prioridade. Segundo ele, na América Latina, quase 30% do desperdício acontece no ambiente doméstico: “Isso ocorre porque as pessoas compram mais do que precisam, deixam alimentos vencer, compram alimentos vencidos e deixam muita comida no prato. Essa mudança de comportamento é essencial para o combate ao desperdício”.
Às palavras dele, deixo aqui meu voto de confiança de que nossos legisladores criem leis mais adequadas à coleta e distribuição de alimentos para quem precisa e que aqueles que lidam com alimentos no comércio também aprendam a doar o que ainda está bom para o consumo.
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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