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Rio contra o tráfico - Polícia ocupa morros e desmantela facção

José Renato Salatiel,Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Texto publicado em 3 de dezembro de 2010 

Em uma operação inédita, a polícia com o apoio das Forças Armadas ocupou na manhã do último domingo (28 de novembro) o Complexo do Alemão, um conjunto de favelas controladas por traficantes no Rio de Janeiro. Durante uma semana, a imprensa internacional acompanhou a ofensiva do Estado para recuperar áreas dominadas pelo crime organizado na cidade-sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Direto ao ponto: Ficha-resumo

A invasão marcou uma nova estratégia do governo. Ela consiste em reaver os territórios perdidos para as facções criminosas, depois de três décadas de descaso dos governantes. A intenção, não assumida pelas autoridades, é deixar a cidade mais segura para receber os megaeventos.

Os traficantes se instalaram há 30 anos nos morros cariocas. A partir dos anos 1960, o crescimento urbano desordenado gerou condições favoráveis para o narcotráfico. A própria topologia dos morros favorece os bandidos, pois dificulta acesso da polícia e dá aos traficantes uma visão privilegiada dos principais acessos.

A ofensiva das forças policiais começou após uma série de atentados ocorridos desde 21 de novembro. A mando dos traficantes, vândalos queimaram 106 veículos em retaliação contra a instalação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em 13 comunidades. As UPPs foram criadas há dois anos. Elas consistem em postos permanentes da Polícia Militar em favelas que antes eram domínios do narcotráfico e de milícias.

Na quinta-feira (dia 25), policiais entraram na Vila Cruzeiro, favela vizinha ao Complexo do Alemão, e expulsaram centenas de homens armados. As imagens dos criminosos correndo por uma estrada de terra foi a mais emblemática de toda a operação. Foram mobilizados cerca de 2.600 policiais - civis, militares e federais - e integrantes das Forças Armadas. Entre os 800 soldados do Exército que participaram da manobra, 60% fizeram parte da missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) no Haiti.

Também foram usados mais de 15 veículos blindados da Marinha, para vencer barricadas nas ruas feitas pelas quadrilhas. Ao todo, 50 pessoas morreram em uma semana de ataques de bandidos e investidas policiais.
 

Tim Lopes

As Forças Armadas são usadas em confrontos com criminosos no Rio desde a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, a Eco-92. Em 1994, soldados do Exército e fuzileiros navais ocuparam morros e favelas na Operação Rio. Mas a medida nunca ocorreu na proporção atual e em uma área tão extensa.

O Complexo do Alemão é o quartel-general do Comando Vermelho (CV), uma das organizações criminosas mais temidas e antigas do país. O complexo reúne 18 favelas e quase 90 mil habitantes espalhados em uma área de 186 hectares na Serra da Misericórdia, zona norte do Rio. A região concentra 40% dos crimes cometidos na cidade.

Depois de dar um ultimato para que os traficantes se entregassem, os policiais entraram nas comunidades e vasculharam casas a procura de drogas, armas e suspeitos. Não houve resistência. Foram apreendidas toneladas de drogas, mais de cem armas e centenas de motos. Oito pessoas foram presas.

A prisão mais importante foi a do traficante Elizeu Felício de Souza, conhecido como "Zeu", um dos homens condenados pelo assassinato do jornalista Tim Lopes, da TV Globo. Ele foi denunciado pelos próprios moradores. Tim Lopes foi sequestrado em 2 de junho de 2002 na Vila Cruzeiro por traficantes da quadrilha de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco. O jornalista foi esquartejado e teve o corpo queimado em pneus.
 

Presos políticos

O Comando Vermelho surgiu durante o regime militar, em 1979, quando presos políticos se misturaram com presos comuns no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, aprendendo os métodos de organização dos grupos de esquerda clandestinos e da guerrilha urbana. De início, o objetivo era organizar a vida nas celas e impedir roubos e estupros por parte de outros detentos.

Fora das grades, os presos começaram a empregar as mesmas técnicas para promover roubos a bancos e sequestros. Eles também instituíram uma “caixinha” que as quadrilhas eram obrigadas a dar aos líderes, para financiar fugas e subornar carcereiros. O próximo passo foi assumir o controle da venda de drogas nos morros. O Comando Vermelho fez acordos com carteis colombianos para distribuir cocaína, acompanhando o aumento do consumo da droga no país.

Ao mesmo tempo, os lucros provocaram desavenças internas na facção. Entre os anos 1980 e 1990 surgiram grupos rivais, como o Terceiro Comando e os Amigos dos Amigos (ADA). A disputa pelo negócio de venda de drogas gerou uma onda de violência que tornou o Rio uma das cidades com os maiores índices de criminalidade no país. Hoje, a maioria dos líderes do CV está presa ou morta. Entre os líderes mais conhecidos estão Fernandinho Beira-mar, Marcinho VP e Elias Maluco.
 

Milícias

Após a ocupação do morro, o governador Sérgio Cabral deu um prazo de sete meses para a instalação de uma UPP e pediu ao Ministério da Defesa que os militares permaneçam no local até outubro de 2011. O presidente Luis Inácio Lula da Silva garantiu apoio.

O que o episódio deixou claro é que o Estado, apesar de ter deixado a população pobre abandonada por décadas, pode desarticular o tráfico nos morros. Isso foi feito com a retomada dos territórios, a transferência de detentos perigosos para presídios federais, a prisão de familiares de traficantes e o bloqueio de suas contas bancárias.

A operação também contribuiu para mudar a imagem da polícia do Rio, reconhecida como a mais violenta do mundo. Mesmo com as denúncias de abusos de poder por parte dos policiais, a população aprovou a invasão das favelas.

O próximo desafio do governo será estender a estratégia para outras comunidades, inclusive aquelas sob o controle de milícias. As milícias apareceram no final dos anos 1970, quando comerciantes da zona oeste passaram a pagar proteção a policiais contra traficantes. No começo de 2000, as milícias se tornaram grupos paramilitares formados por policiais na ativa ou na reserva. Eles expulsaram os traficantes e implantaram um esquema de cobrança por proteção e serviços clandestinos de luz, gás e TV a cabo.

Hoje, as milícias dominam 41,5% das 1.006 favelas cariocas, contra 55,9% do tráfico e 2,6% das UPPs, de acordo com levantamento do Nupevi (Núcleo de Pesquisas das Violências) da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Na última semana, o Rio mostrou que é possível mudar esta estatística.

Direto ao ponto

A polícia com o apoio das Forças Armadas ocupou na manhã do último domingo (28 de novembro) o Complexo do Alemão, um conjunto de favelas controladas por traficantes no Rio de Janeiro. A operação marcou o início de uma nova estratégia do governo de recuperar áreas dominadas pelo crime organizado. O objetivo, não declarado, é tornar a cidade mais segura para receber a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

A ofensiva começou após uma série de atentados ocorridos desde 21 de novembro. Vândalos queimaram 106 veículos em retaliação contra a instalação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em 13 comunidades. As UPPs consistem em postos permanentes da Polícia Militar em favelas que antes eram domínios do tráfico e de milícias. Foram mobilizados cerca de 2.600 policiais e integrantes das Forças Armadas, além de veículos blindados da Marinha.

Os traficantes se instalaram há três décadas nos morros cariocas, beneficiados pelo descaso do governo. O Comando Vermelho, facção criminosa que dominava o Complexo do Alemão, surgiu nos anos 1970 em presídios cariocas. O governo agora deve estender as ocupações para outras favelas, inclusive aquelas dominadas por milícias – grupos paramilitares formados por policiais.

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