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Iluminismo (3) - <strong>Laissez faire, laissez passer<strong> e o despotismo esclarecido

Gilberto Salomão*, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

A idéia da liberdade econômica é o eixo condutor do pensamento econômico do século 18. Em seu aspecto mais amplo, trata-se de uma negação à intervenção do Estado na economia, base fundamental da política econômica adotada pelas monarquias absolutistas, chamada pelos próprios pensadores liberais de mercantilismo.

É importante salientar que as concepções chamadas de mercantilistas tinham por fundamento essencial a visão da riqueza através do comércio. Assim, a riqueza era um elemento fixo que, através da atividade mercantil, apenas mudava de mãos, não havendo a visão da geração da riqueza pelo homem. O liberalismo do século 18 rompeu com essa formulação, vendo a riqueza como passível de ser ampliada pela ação humana.

Laissez faire, laissez passer

Uma primeira concepção liberal é a chamada escola fisiocrata (de fisiocracia, ou "poder da natureza"), francesa, que propunha que a economia funcionasse de acordo com suas próprias leis, semelhantes às da natureza. Considerava a agricultura a única fonte de toda a riqueza, enquanto o comércio e a indústria apenas circulavam ou transformavam a riqueza natural.

Seus teóricos mais destacados foram Quesnay (1694-1774), Turgot (1727-1781) e, especialmente, Gournay (1712-1759), que, em nome da plena liberdade para todas as atividades comerciais e industriais, defendia a abolição das aduanas internas, das regulamentações e das corporações. Gournay consagrou a frase "Laissez faire, laissez passez" (Deixe fazer, deixe passar).

Cabe lembrar aqui que a visão dos fisiocratas liga-se a uma realidade francesa, país no qual a economia passava por sérias dificuldades, as quais eram vistas como fruto da política de Jean Baptiste Colbert, ministro do rei Luiz 14. O colbertismo teve por essência a busca por dinamizar a produção manufatureira na França, em detrimento da agricultura, a qual sofreu fortes restrições por parte da monarquia, inclusive com a proibição da exportação de gêneros agrícolas, visando gerar uma queda da produção no campo e um conseqüente êxodo rural, ampliando assim a mão-de-obra urbana.

A crítica dos fisiocratas vai justamente negar as duas atitudes consideradas como geradoras da crise. A primeira seria a própria intervenção do Estado na economia, negando a lei natural que a rege. E a segunda, a própria retração da agricultura provocada pelas medidas de Colbert. É dessa crítica que surgiram as concepções fisiocratas.

Adam Smith e a liberdade econômica

Outra corrente do pensamento liberal tem como principal expoente o escocês Adam Smith (1723-1790). Sua obra fundamental, "A Riqueza das Nações", articula-se ao pensamento dos fisiocratas ao defender a liberdade econômica e ao conceber a riqueza como algo dinâmico, passível de ser produzida.

Entretanto, a experiência de Adam Smith com a extraordinária riqueza gerada pela industrialização inglesa levou-o a uma visão mais ampla, ao conceber que o trabalho (notadamente o trabalho industrial) e não apenas a agricultura era a fonte fundamental da riqueza. E trabalho livre, sem interferências, norteado de modo espontâneo pela natureza.

Adam Smith foi o maior crítico do mercantilismo, que considerava um entrave ao desenvolvimento econômico. Argumentava que apenas a livre concorrência, a divisão do trabalho e o livre comércio poderiam levar à harmonia e à justiça social. Seus postulados deram origem à chamada escola clássica do pensamento econômico e constituíram-se na bíblia do pensamento liberal capitalista.

O pensamento iluminista apresenta, ao lado de uma crítica candente ao que ele próprio chamou de antigo regime, uma nova postura em relação ao mundo, uma nova visão do poder e uma nova atitude do homem, mais racional, mais científica, rompendo com velhos padrões incompatíveis com os novos tempos.

Despotismo esclarecido

O conteúdo modernizador do Iluminismo teve um efeito aparentemente contraditório, mas perfeitamente compreensível dentro da estrutura política da época. Esse efeito refere-se ao fato de vários soberanos europeus, ao longo do século 18, terem realizado amplas reformas em seus Estados, procurando racionalizar e modernizar seus governos, reformas essas que se baseavam em princípios claramente iluministas, mas sem abrir mão do poder absoluto.

A esses monarcas dá-se usualmente a denominação de déspotas esclarecidos. São déspotas na medida em que a estrutura absolutista de seus governos não foi alterada. Da mesma forma, não houve qualquer mudança significativa na estrutura social, mantendo-se os velhos privilégios da nobreza.

Entretanto, sua visão modernizadora coloca-os num plano diferenciado em relação aos monarcas típicos do Absolutismo europeu, procurando promover algumas reformas que aumentassem a eficiência da administração pública e o poder da nação.

Dentre os adeptos do despotismo esclarecido, alguns merecem destaque. Frederico 2º (1740-1786), da Prússia, deu liberdade de culto à população e tornou obrigatório o ensino básico. Aboliu a tortura, organizando um novo código de justiça. Estimulou o desenvolvimento econômico do país, buscando uma modernização econômica.

Seus vínculos com a nobreza ficam claros quando percebemos que a servidão não foi abolida, com a grande massa da população ainda submetida a obrigações de origem feudal. Catarina 2ª (1762-1796), da Rússia, atraiu muitos filósofos para sua corte e contribuiu para a divulgação das novas idéias. Da mesma forma que na Prússia, entretanto, essas reformas tiveram um efeito cosmético, significando uma maior educação para a nobreza, uma mudança de comportamento social, sem que as reais condições de vida da massa camponesa fossem alteradas.

José 2º (1780-1790), da Áustria, foi o que mais realizou. Aboliu a servidão, deu igualdade tributária e jurídica à população e uniformizou a administração do Império. O conde de Aranda (1718-1799), ministro de Carlos 3º da Espanha, estimulou o desenvolvimento das manufaturas de tecidos e de artigos de luxo e dinamizou a administração visando fortalecer o poder real.

Marquês de Pombal

Numa análise que nos é mais próxima, cabe lembrar a obra do marquês de Pombal (1699-1782), ministro de José 1º de Portugal. Sob seu governo, a produção manufatureira cresceu, foram criadas companhias monopolistas de comércio para controlar o comércio colonial, a agricultura foi estimulada e o clero e a nobreza foram submetidos ao poder do rei. Sua busca era a de reduzir o atraso e a dependência econômica de Portugal.

Para isso, procurou ampliar a arrecadação no Brasil, ao mesmo tempo em que combatia os focos de dispersão do poder e da renda do Estado. Nesse contexto, teve como grandes adversários os jesuítas, detentores de imensa riqueza e constituindo quase um Estado dentro do Estado. A reação dos jesuítas e a natureza retrógrada das elites portuguesas representaram uma força contrária ao seu projeto modernizador. Com a morte de José 1º, Pombal foi afastado e Portugal retomou as mesmas características do período anterior.

 

 

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