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Acre faz 50 anos; Estado foi prejudicado pela "pecuarização" da floresta, diz historiador

Camila Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

15/06/2012 16h42

A emancipação do Acre à categoria de Estado completa 50 anos nesta sexta-feira (15), mas o tempo de regime democrático é bem menor, relembram os historiadores acrianos César Félix e Marcos Vinicius Neves. Para eles, a democracia acriana tem apenas 30 anos, já que somente em 1982 o povo local pode eleger seu governador.

"Infelizmente,dentre esses 50 anos, pelo menos 20 foram perdidos com a ditadura militar e a pecuarização da floresta", lamenta Neves.

O Acre foi emancipado a Estado em 1962. No mesmo ano, aconteceu a primeira eleição para governador, quando José Augusto de Araújo foi eleito. A "ironia cruel" foi que, em 1964, o capitão do Exército Edgar Cerqueira cercou o palácio do governo e obrigou Araújo a renunciar.

Territórios federais

Amapá, Rondônia, Roraima e Fernando de Noronha também foram territórios federais. Os três primeiros foram emancipados à categoria de Estados logo após o Acre, e o último foi anexado a Pernambuco.

Para entender: depois de disputas de território com o Peru e a Bolívia, o Acre se tornou o primeiro território federal da história do Brasil. Isso quer dizer que a região era administrada pelo governo federal, que indicava seus governantes e ficava com a arrecadação de impostos pela venda da borracha, um dos principais produtos de exportação do país no início do século 20.  “Os acrianos não podiam escolher seus governantes. Eles se tornaram cidadãos de segunda categoria em seu próprio país”, avalia Neves.

Os governantes indicados não tinham compromisso de completar o mandato e, normalmente, permaneciam somente o tempo suficiente para enriquecer. Segundo Neves, ninguém queria ficar na região. “Para dar um exemplo, de 1904 a 1912, o Acre teve 16 governadores”, ilustra.

Durante os 58 anos, houve uma série de revoltas autonomistas, reivindicando a autonomia do Acre. Segundo Neves, uma das mais violentas foi a deposição armada, em 1910, na cidade de Cruzeiro do Sul.

No entanto, a autonomia foi concedida apenas depois da Segunda Guerra Mundial, quando acabou o Segundo Ciclo da Borracha. Em 15 de junho de 1962, o então presidente da República João Goulart sancionou a Lei 4.070, que elevou o Acre a categoria de Estado. “É interessante observar que a lei que garante a autonomia e a independência política ao Acre só veio quando os seringais já estavam falindo, dando prejuízo. O governo federal só liberou a galinha dos ovos de ouro quando ela não já botava mais ovos”, pondera Félix.

Para ele, o “Acre independente” herdou um Acre “analfabeto, extremamente machista, preconceituoso, com indígenas sem terras e massacrados, seringueiros empobrecidos e doentes, sem uma rede de saúde que funcione e sem estradas para escoar produção”.

Neves tem uma análise mais positiva. “Os acrianos passaram a ter uma constituição estadual, a eleger deputados, a ter suas próprias leis estaduais, a arrecadar seus próprios impostos, a ter uma justiça estadual. Ou seja, passaram a ter o direito de decidir o seu destino”.

A ditadura

Com a ditadura militar (1964-1985), o projeto de desenvolvimento nacional pretendia integrar a Amazônia ao Brasil “para não entregá-la”. “Era a política de ‘entregar uma terra sem homens para homens sem terra’, que culminou na devastação da floresta para fins de monocultura e pecuária”, descreve Neves.

Terras da floresta amazônica passaram a ser vendidas a preços baixos para os “sulistas”, que eram imigrantes da região sul que ocupavam os terrenos com gado e soja, principalmente. Grandes terrenos também foram usados pela indústria madeireira e de extração mineral.

Com isso, começaram as lutas com os povos da floresta, que resultaram em muitas mortes.

“Essa política de destruir as florestas para criar gado e vender madeiras é um fantasma que ainda nos rodeia. Ela só veio ser combatida e enfrentada depois da morte de Chico Mendes (1988). Antes disso, não tinha eco na sociedade. Marina [Silva] e Chico [Mendes] eram chamados de atrasados, retrógrados, gente que não queria o progresso. O povo acriano só se deu conta dessa crítica quando o mundo invadiu o Acre elogiando Chico Mendes”.

Os efeitos desse modelo de desenvolvimento se refletem na distribuição da população atualmente. “Em 1970, 80% da população do Acre morava na floresta e 20% nas cidades. Hoje, 85% mora nas cidades e só 15% nas florestas”, compara Neves.

Por conta das consequências sociais desse processo histórico, o Acre tem o segundo menor PIB (produto interno bruto) do país e é o sexto Estado com maior incidência de extrema pobreza (18,9%), segundo dados do IBGE.

A pobreza se reflete na educação, já que o Estado é o terceiro com mais crianças fora de escola (7,5%, entre 7 e 14 anos), e o primeiro com mais jovens entre 15 e 17 anos fora da escola (22,2%).

Mudanças no ensino de história do Acre

Félix, que é professor em uma escola de Rio Branco (AC), conta que, nos últimos 15 anos, o ensino de história tem mudado nas escolas locais, valorizando um sentimento de “acreanidade”. “Observo, porém, que as crianças e a juventude em geral conhece o fato histórico, mas não consegue relacioná-lo com a sua vida cotidiana”.

Seringueiros e seringalistas

Seringueiros são os trabalhadores que coletam o látex das seringueiras. Seringalistas são os proprietários dos terrenos com seringais e da produção de borracha.

Ele atribui isso ao fato de a população não se ver como parte do processo histórico de construção do Estado e de a escola reforçar isso, oferecendo um ensino positivista, pautado em “grandes heróis”.

“Aprendíamos que nossos heróis eram Plácido de Castro (que liderou a guerra contra Bolívia), Barão do Rio Branco (que defendeu os interesses do Brasil no acordo de anexação do Acre ao Brasil), Neutal Maia (seringalista, considerado o fundador da capital acriana) e alguns outros ‘coronéis de barranco’ [como se chamava os seringalistas] que deram nomes às ruas, aos municípios, às escolas. Os seringueiros e os indígenas apareciam como seres abstratos”.