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Pedreiro que não terminou fundamental reuniu 40 mil livros e "dirige" biblioteca no Rio

Felipe Martins

Do UOL, no Rio de Janeiro

29/10/2012 06h00

A vida em função da construção do conhecimento. O pedreiro sergipano Evando dos Santos, 52, dedicou e continua dedicando os dias à manutenção de um sonho, a maior biblioteca comunitária do país, localizada na Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro. Os pilares foram fincados na própria casa, onde ele calcula ter reunido mais de 40 mil livros. Atualmente, a biblioteca funciona em um prédio próprio, desenhado pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer, no mesmo bairro.

Pedreiro aprendeu a ler com Salmos da Bíblia


Evando chegou ao Rio de Janeiro em 1975 aos 15 anos vindo de Aquidabã, cidade do interior do Sergipe tentando melhorar de vida. Mal sabia assinar o próprio nome.

Uma das primeiras amizades na cidade grande, o pastor evangélico José Evangelista, decidiu então mostrar ao pedreiro um mundo novo que viria a se tornar a sua grande paixão, o mundo das letras.

“O pastor José Evangelista percebeu a minha frustração por não conseguir ler a bíblia. Ele me ajudou a aprender a ler usando os Salmos. Ele me dizia que ler é como uma feijoada, cheia de sabores”. O pedreiro conta que passou a ler cerca de dez livros por mês. O tempo passou.

Em mais um dia de trabalho, ao passar por uma loja de peças, Evando, já com 37 anos, avistou uma pilha de cerca de 50 livros. Ao levar os livros para casa, surgiu a ideia de criar uma biblioteca comunitária.

Conforme a história de Evando foi ficando conhecida, as doações foram aumentando. Os livros, em maioria, eram colocados na garagem da humilde casa na Vila da Penha. Ele calcula ter reunido mais de 40 mil livros tornando a Tobias Barreto de Meneses, a maior biblioteca comunitária do país, criada em 17 de julho de 1998. O nome, uma homenagem ao escritor sergipano, o preferido de Evando.

É na edificação de três andares que funciona a Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Meneses. Criada em 17 d e julho de 1998, recebeu o nome do autor preferido do pedreiro, que é seu conterrâneo.

Nessa biblioteca, as regras para o empréstimo são simples: o leitor preenche um cadastro e pode ficar com o volume pelo tempo que achar necessário. “Se a pessoa não devolve o livro é porque precisa”, diz Evando dos Santos.

Cheio de orgulho, Evando diz que esse era seu sonho: uma biblioteca sem “burrocracia”, funcionando de domingo à domingo. Segundo ele, com livros que não se encontram na Biblioteca Nacional. Exemplo disso é uma gramática da língua bunda que era a falada pelos escravos.

Oscar Niemeyer

Com a casa abarrotada de livros empilhados por todos os cômodos, Evando percebeu que precisava de um espaço definitivo para abrigar os livros. E a ajuda veio de maneira inesperada. Com a ousadia que o caracteriza, Evando ligou para um programa de TV que entrevistava ao vivo o arquiteto Oscar Niemeyer. “A minha ligação entrou no ar e ele prometeu me ajudar. Foi uma pessoa divina. Fui a casa dele que me ouviu por uma hora. Um mês depois ele me entr egou o projeto da biblioteca”, lembrou.

Eram idos de 2002. O ministério da Cultura autorizou a captação de recursos e a prefeitura concedeu à biblioteca o título de utilidade pública. Mas Evando amargou mais quatro anos tentando conseguir que o projeto saísse do papel. Finalmente em 2006, o BNDES investiu no projeto e as obras começaram. Em 12 de dezembro de 2008, o novo prédio da biblioteca foi inaugurado.

Calçada da Fama

Com a cabeça cheia de ideias, Evando não limita seus projetos às atividades na biblioteca. Promove “arrastões literários” em vários bairros do Rio, distribuindo livros da zona norte à zona sul. Ajudou a fundar bibliotecas comunitárias em várias cidades do País e até no exterior. Evando doou 15 mil livros para o processo de reconstrução de Angola, devastada pela guerra civil.

Evando pintou na principal praça da Vila da Penha, a praça do largo do Bicão, uma calçada da fama, estrelas com os nomes de personalidades ligadas à história do bairro e/ou da biblioteca especificamente. O projeto foi incorpor ado na última reforma da praça, a pintura deu lugar à placas de metal cravadas no concreto. Para o bairro que ama, escreveu um livro, contando a história do lugar através dos moradores mais antigos.

Reconhecimento

A Academia Brasileira de Letras homenageou o pedreiro em 2007. Evando foi condecorado com a medalha comemorativa dos 110 anos da entidade. A Câmara de Vereadores e a Assembleia de Legislativa do Rio de Janeiro concederam a medalha Pedro Ernesto e Tiradentes respectivamente.

A cineasta Anna Azevedo produziu e dirigiu o documentário Homem-Livro contando a história de Evando durante a mudança da biblioteca da casa de Evando para o prédio projetado por Niemeyer. O curta ganhou o prêmio de melhor filme do Júri Popular e de melhor direção do júri oficial do Festival de Brasília em 2006.

“O que me impressionou naquela casa foi que os livros eram os grandes reis daquele espaço. Uma casa labiríntica E um personagem que tem um a compulsão pelos livros e em dividir o saber, o conhecimento”, explicou a cineasta.