Racha político entre alunos e professores da UFABC vai parar na delegacia
A polarização política que divide o país ganhou contornos inesperados na UFABC (Universidade Federal do ABC), em Santo André (SP), agravando o clima entre alunos e professores. No início do mês, a professora Iseli Nantes registrou um boletim de ocorrência contra um aluno que enviou mensagens privadas em uma rede social com xingamentos e ameaça de morte. Antes disso, um coletivo de universitários da UFABC havia ingressado com uma denúncia no Ministério Público Federal a respeito de ações racistas e homofóbicas ocorridas também por meio de redes sociais.
Os dois processos estão relacionados. No caso da docente, a ameaça chegou após uma publicação na internet. Na ocasião, a professora de bioquímica se posicionou contrária à decisão da UFABC em oferecer apoio psicológico e carro para os parentes e para a aluna Deborah Gonçalves Fabri, que perdeu a visão de um dos olhos após ser ferida durante um protesto contra o governo Michel Temer (PMDB) no Centro de São Paulo.
A professora expressou seu descontentamento com o “viés político-partidário em certas ações da UFABC”. Na postagem, Nantes comentou que o tratamento especial para a aluna só acontecia por ela “estar em ato contra o impeachment” e terminou afirmando que a jovem “não teria nenhuma assistência se tivesse se ferido em ato pró-impeachment".
Única universidade federal na região do Grande ABC paulista, a instituição é conhecida como "Unilula"– em referência ao ex-presidente Lula, que a inaugurou durante seu primeiro mandato, explicaram alguns estudantes.
Contrário ao texto publicado, o aluno Raí Neres enviou então uma mensagem privada para a professora a chamando de "ridícula, escória e cólera". “É o pior que pode haver num ser humano”, acrescentou ele.
Além disso, Neres escreveu que a docente era "racista, LGBTfóbica, fascista" e que ela precisava fazer terapia para tratar e resolver seus conflitos internos. “Um tumor social e, por isso, deve ser combatida de todas as formas e sem dúvidas nenhuma iremos combater (Sic)”, concluiu o texto.
Um dia depois de receber o que considerou ser uma ameaça, a professora encaminhou as mensagens para o reitor, o vice-reitor e para comissão de transgressões da UFABC. Ela também foi até a delegacia e, além de registrar a queixa, decidiu processar o aluno por ameaça, calúnia e difamação.
“Para combater um tumor, a gente quer matar o tumor. Ele diz que serei combatida de todas as formas e isso é uma ameaça que pode chegar à morte. Infâmia total dizer que sou racista e homofóbica. Se ele se desse ao trabalho de olhar minhas redes sociais, veria que sempre me manifestei contrária a todo e qualquer tipo de manifestação deste tipo”, afirmou a professora.
Nantes ainda enviou uma carta a todos os docentes e funcionários administrativos da universidade relatando o ocorrido com o estudante e reclamando ainda que, pela segunda vez, o muro do prédio onde mora havia sido pichado com uma foice e um martelo – um dos símbolos do comunismo. Ainda não se sabe quem foi o (a) responsável pela pichação.
Nega ameaças
Em entrevista ao UOL, o estudante Raí Neres afirmou que em nenhum momento ameaçou a professora de morte e que acabou escrevendo em um momento de grande comoção, após sua amiga ter sido ferida e perdido a visão. Além disso, o aluno tem se sentido perseguido-- por divergências políticas, entre outras coisas -- pelo noivo da docente, João Antônio Cardoso, radialista e também estudante da universidade.
Neres é um dos integrantes do Prisma UFABC, um grupo de promoção de informações sobre diversidade sexual e de gênero na universidade, e também milita no Coletivo Negro Vozes, que busca o rompimento do que consideram um paradigma segregacionista na universidade.
“A professora enviou uma carta e fez um balaio de gato, misturou pichação com a suposta ameaça, junto com eventos de esquerda que ocorreram na UFABC. Ela induziu o entendimento que eu participei de todas as alegações. Eu jamais iria pichar a casa dela, nem sei onde ela mora”, afirmou Neres.
Homofobia e racismo
Integrantes do movimento Prisma UFABC, que preferem não ser identificados, saíram em defesa do colega e contam que, há dois anos, coletam provas de que o noivo da docente e outros alunos da universidade praticam atos homofóbicos e racistas. O material foi entregue ao MPF (Ministério Público Federal) para apuração dos crimes, de acordo com os integrantes.
No print de uma das mensagens entregues ao MPF, Cardoso aparece em um vídeo ao lado de Jair Bolsonaro com a seguinte legenda “Mais de 5.000 visualizações do meu vídeo com o mito. Haja Hipoglós [pomada contra assaduras] para a turma do Prisma UFABC”. Em outra mensagem, João Antonio teria escrito “Eu odeio preto, só gosto das mulatas”.
O radialista, no entanto, nega o conteúdo racista e garante que a última mensagem foi manipulada e alterada. Ele alega ser filho de um “negro nascido no Maranhão” e que as acusações contra ele seriam uma represália por seus posicionamentos políticos de direita e por investigações que faz como radialista em Santo André.
“Isso tudo são acusações do Prisma, o grupo gay que investigo e que usa recursos públicos para fazer militância esquerdista com viés LGBT. Eles se disfarçam de gays, mas fazem campanha para o PT. Tem muita montagem com a minha cara”, comentou Cardoso.
Apuração
Em nota, a Universidade disse estar ciente do fato e que o caso “está sendo analisado na Comissão de Transgressões Disciplinares Discentes, instância formada por representantes docentes, discentes e técnicos administrativos para apurar possíveis condutas inadequadas de alunos da Universidade”.
A instituição não quis comentar sobre possíveis punições. Ainda segundo a nota, a “Reitoria entende que os debates nacionais sobre a conjuntura política acontecem também no interior das instituições, onde opiniões e convicções muito diversas coexistem”.
A universidade afirma que tem emitido comunicados e mensagens internas se posicionado favorável à pluralidade de ideias e à condução de debates e discussões, desde que sejam guiados pelos princípios do respeito e da tolerância.
O MPF avalia as denúncias recebidas para decidir se abre um inquérito.
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