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Questão de família: casal de professores e os filhos 'ocupam' escolas no PR

Da esq. para dir.: Henrique (filho), Anne Marie (mãe), Augusto (namorado da filha) e Marina (filha); eles estão todos participando de ocupações de escolas no Paraná - Janaina Garcia / UOL
Da esq. para dir.: Henrique (filho), Anne Marie (mãe), Augusto (namorado da filha) e Marina (filha); eles estão todos participando de ocupações de escolas no Paraná Imagem: Janaina Garcia / UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em Curitiba

19/10/2016 09h44

Para o governo do Paranáas mais de 700 escolas estaduais ocupadas por estudantes, até esta terça (18), são uma grande dor de cabeça. Para essa família de Curitiba, elas se tornaram quase um alento --no sentido de fortalecer vínculos negligenciados pela rotina.

Os pais e os dois filhos estão envolvidos nas ocupações das escolas da rede estadual, em Curitiba. É o que explica a professora Anne Marie Zimmerman, 40, que leciona artes no colégio estadual Bento Munhoz da Rocha Neto, no Pilarzinho –bairro localizado em uma espécie de transição entre a periferia e a região mais central da capital paranaense.

Marie, como é conhecida pelos alunos, dá aula no mesmo colégio que o marido, o professor de história Fabiano Stoiev, 41. A unidade está ocupada por estudantes desde a semana passada, e o casal aderiu à greve dos professores que começou na segunda-feira (17).

Ao lado da mãe, a professora Anne Marie, Henrique conta que carregou cadeados e correntes na mochila durante três dias até conseguir, com os colegas, a ocuppação do colégio - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Cada um ao seu jeito: o filho, Henrique, está ocupando uma escola. Já a mãe, a professora Anne Marie, dá "aulões" de artes aos estudantes das ocupações
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Os filhos do casal participam ativamente de ocupações: o caçula, Henrique Varella, 15, é um dos responsáveis pela segurança do movimento no colégio Bento Munhoz. A primogênita, Marina Stoiev, 17, é uma das mais ativas na ocupação do Colégio Estadual do Paraná (CEP), símbolo maior do movimento.

Fabiano, o pai, não participou da conversa com a reportagem do UOL, concedida na escola em que o casal trabalha. Naquele momento, ele estava percorrendo outros colégios em busca de apoio à greve da categoria. Os professores atuam nas ocupações com os chamados "aulões" voluntários aos alunos –cada um, na sua especialidade. Na conversa, juntou-se ao grupo o namorado de Marina, Augusto Schimuda, 17, da mesma sala de 3º ano do ensino médio que ela no CEP.

Eles contam que participaram do protesto de 29 de abril do ano passado, no Centro Cívico, quando houve confronto com a Polícia Militar --entre manifestantes, ficou conhecido como "massacre do Centro Cívico". Na ocasião, mais de 200 pessoas ficaram feridas. Estudantes e professores tentavam acompanhar, na Assembleia Legislativa, a votação do projeto de lei do Executivo que pretendia alterar a Previdência dos servidores. 

De acordo com Marina, apesar de as ocupações de agora terem como mote a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 241, que disciplina os gastos da União por 20 anos, e a MP (Medida Provisória) 746, que estabelece a reforma do ensino médio, elas são “um acúmulo de coisas que estavam entaladas na garganta”.

“No ano passado faltou merenda no nosso colégio, apesar de agora estar regularizado. Foi dolorido ver meus professores voltarem para a sala de aula depois daquele protesto de abril, com o rosto marcado pelas agressões”, lembra. A mãe ouve a filha emocionada: “Foi humilhante. Ser professor, ainda mais na rede pública, exige um esforço tão grande para a gente ser tratado daquele jeito...”

Para Augusto, a reforma do ensino médio --com integralização do ensino e flexibilização do currículo-- via medida provisória foi o que pesou na decisão dos estudantes para iniciarem as ocupações.

“Não discutiram com a parte interessada, que somos nós e os professores, não perguntaram como é a nossa realidade para impor isso. E agora querem uma PEC que pode afetar os recursos de educação sem que os benefícios da ‘bolsa empresário’ sejam mexidos? Não tem como a gente aceitar isso calado”, afirma Augusto.

Sobre a medida provisória, a professora conta que participou, dias atrás, como convidada, de uma reunião com 530 educadores com a secretária estadual de Educação, Ana Seres, para tratar do assunto. As conclusões do encontro seriam apresentadas por e ela e pelo governador Richa na terça-feira (18), em Brasília, ao ministro da Educação, Mendonça Filho.

“Notei que há vários professores preocupados com a reposição das aulas desse período de ocupações; ouvi de uma colega que é ‘só’ eu não pegar aulas do ensino médio em 2017 [Anne Marie também leciona no ensino fundamental]. Fiquei indignada, porque essa não é uma luta de agora, mas para o futuro do ensino”, declarou.

O filho mais novo, Henrique, atuou na ocupação desde o início –completou 15 anos no colégio ocupado. Qual a sensação? “De alívio: comprei correntes e cadeados para ajudar a fechar o colégio e carreguei aquele material na minha mochila durante três dias até que desse certo.”

Rotina doméstica

A casa, segundo Marie, ficou em segundo plano --só se cozinha o que é de fato mais prático, com o cuidado de as roupas sujas não se acumularem. Mas o tempo em que ela e o marido passam debaixo do mesmo teto, entre greve e ocupações, é para tratar... de greve e ocupações. Por mensagens de texto com colegas de outras escolas, ou em ligações organizando aulões a alunos ocupados, os dois não param. “A gente não consegue desligar”, diz a professora.

Para os filhos, algumas preocupações que não eram tão imediatas ficaram mais explícitas depois de duas semanas em escolas ocupadas. “Durmo em colchonete na escola. Sinto falta da minha cama, mas hoje tenho mais noção de responsabilidades e valorizo muito mais minha casa”, diz Marina. “E tenho muito mais receio também de gente infiltrada do que eu tinha.”

Henrique afirma que aprendeu que "a melhor forma de pressionar os governos é fazendo o sistema não funcionar": "Não adianta ocupar um lugar duas vezes na semana achando que olharão para nós”, conta.

Para a mãe, para quem a palavra “orgulho” define a relação hoje com os filhos envolvidos nas ocupações, o reforço na cumplicidade e a saudade que sente da família foram os maiores benefícios de dias tão tensos.

“A gente está mais unido, um liga para o outro discutindo e tentando resolver problemas... No fim, as ocupações fortaleceram nossos laços familiares e até a saudade que sentimos um do outro, já que, nesses dias, nunca estamos todos juntos em casa. Estamos distantes, ao mesmo tempo em que percebemos que estamos mais próximos do que nunca”, diz Marie.

Emocionada, cita novamente a palavra orgulho pelo comportamento dos filhos. “Eu e meu marido estamos cheios de orgulho de ver a atitude deles", afirma. "Estão lutando por algo grande, indo atrás, batalhando, porque essa não é uma causa de agora, mas para os próximos anos da educação. E tenho muito orgulho também pela minha escola: estou surpresa com tanta garra por algo realmente maior que as questões imediatas. É nisso em que eu acredito.”