Cerimônia de formatura em MT reúne 43 índios de 32 etnias diferentes
"Quando cheguei aqui a primeira vez, não me comportei bem. A gente não conversava. A gente só ficava olhando um para o outro. Depois fui conhecendo as pessoas e fazendo amizades."
O relato é de Nawaki Ikpeng, da etnia ikpeng, e se refere aos primeiros contatos dele com seus colegas de outras etnias no curso de pedagogia intercultural da Faculdade Indígena Intercultural da Unemat (Universidade do Estado do Mato Grosso). Ele e mais 42 colegas no final de novembro.
Nawaki mora na aldeia Rawo, dentro do Parque Indígena do Xingu, no norte de Mato Grosso. Para chegar ao campus no município de Barra do Bugres, a cerca de 160 km de Cuiabá, são quase dois dias de viagem, juntando os deslocamentos e a espera pelos transportes.
Ele vai a pé da aldeia até uma estrada de terra que corta a reserva, onde pega uma caminhonete da Funai (Fundação Nacional do Índio). Roda de 8 a 10 horas até a cidade de Feliz Natal e, daí, enfrenta mais duas horas de ônibus até Sinop. De Sinop, são outras dez horas de ônibus até Jangada, de onde pega a última condução para Barra do Bugres.
Nos últimos cinco anos, Nawaki fez a jornada duas vezes por ano para as aulas presenciais. Em cada temporada, ele passava um mês na companhia intensiva de 42 índios de 32 etnias diferentes, que também chegavam de diversos pontos do Mato Grosso, convivendo em sala de aula e dividindo um alojamento na periferia da cidade.
O objetivo do curso é capacitar professores indígenas para que possam dar aulas às crianças das aldeias na língua de seus povos e aliar o ensino do conhecimento universal à valorização das tradições e do conhecimento específico de cada etnia. Com o curso, há incentivo de resgate e preservação tanto das línguas quanto dos costumes de cada povo.
Estranhamento, conflito e timidez
O primeiro desafio que todos os formandos entrevistados pelo UOL tiveram ao chegar à universidade foi a sensação de estranhamento e a timidez no contato com colegas de outras etnias indígenas.
"Nas primeiras turmas, na implantação do programa, foi pior", conta o professor Adailton Alves da Silva, coordenador do curso que existe há 15 anos e foi o primeiro no Brasil de formação superior de professores indígenas.
Havia mais rivalidade, conflitos mesmo, e alguns grupos quase partiram para a violência quando foram colocados juntos".
Segundo Adailton, de lá para cá, a rivalidade perdeu força e o curso acabou se transformando em um espaço de debates de temas de interesse comum e de união política.
"Mas a timidez e a desconfiança iniciais continuam, e é algo que todos eles têm de superar", diz Adailton.
Desafio linguístico
As maiores inseguranças são provocadas justamente pela língua e pelo domínio dela, temas que estão no centro das preocupações pedagógicas do curso. Tanto as línguas originais de cada um dos povos como o português.
Dineva Kayabi, que mora em uma aldeia kayabi no município de Juara (700 km ao norte de Cuiabá), diz que no começo do curso se sentiu até discriminada por colegas de outras etnias por não falar a língua da sua comunidade com fluência.
"Outros povos diziam que porque eu não falava a língua já não era indígena", conta. "Mas, durante o curso, nós conseguimos minimizar, acabar com isso", afirma Dineva.
O terena Rosenildo Pereira admite que, antes de chegar a Barra do Bugres, tinha muita curiosidade a respeito dos umutina, por ter ouvido falar que eles eram um povo indígena que não sabia mais falar sua língua materna.
"Mas a gente visitou a aldeia aqui perto e viu que é totalmente diferente, que eles ainda fortalecem aquilo que aprenderam, que os anciãos ensinaram para eles", diz.
A preocupação de Nawaki Ikpeng, criado no parque do Xingu, relativamente afastado do contato com os brancos, era oposta.
Eu achava que iam rir de mim por não falar bem o português".
Rinaldo Tapirapé, da aldeia tapirapé de Urubu Branco, no município de Confresa (a 1.200 km de Cuiabá), é outro que se sente mais confortável na língua materna. E ficava inseguro no português.
"Na aldeia, as crianças são educadas na língua tapirapé até a quarta série. Só a partir daí começam a aprender o português", contou.
Na opinião do professor Adailton, é natural que a língua esteja no centro das preocupações, tanto o português como a língua nativa. "A preservação da língua é o principal desafio para a preservação da cultura deles", diz. "E é complicado falar em uma etnia sem língua”.
Por outro lado, há a percepção entre os indígenas de que o domínio do português é fundamental, entre outras razões, para que eles possam defender o que julgam seus direitos.
O próximo desafio, segundo o professor, será da universidade. A partir de 2017, a Universidade do Mato Grosso vai reservar 5% de todas as vagas para alunos indígenas.
"A questão vai ser como integrar e atender esses estudantes", diz Adailton. "A universidade vai ter de olhar para dentro de si com um olhar diferente."
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