Escolas do país ainda rejeitam alunos que têm autismo
Carlos (nome fictício) tentou matricular o filho com autismo no tradicional Colégio Marista Arquidiocesano, na zona sul de São Paulo. Foi barrado. "Disseram que não poderiam fazer a matrícula porque só aceitavam uma criança (com deficiência) por série", afirmou. Casos assim não são os únicos a serem enfrentados por estudantes com transtorno do espectro autista.
A Defensoria Pública acumula mais de 500 procedimentos administrativos relacionados ao tema. Há ainda um inquérito civil instaurado pelo MPE (Ministério Público Estadual) em março de 2013 que apura a política desenvolvida pela Secretaria Estadual da Educação para crianças e adolescentes com autismo.
Alguns dos episódios foram parar na Justiça. Outros oito casos, como o de Carlos, são investigados pelo MPE. Promotorias de Educação de outros Estados, como Pernambuco e Rio Grande do Sul, também já registraram casos semelhantes. Após dois anos da sanção da Lei Berenice Piana, que garante acesso à educação às pessoas com autismo, continuam os episódios de recusa de matrícula.
Carlos chegou a afirmar que designaria um cuidador para o filho, mas mesmo assim ouviu que precisaria de uma "avaliação de uma comissão interna" do colégio, o que não foi finalizado até o término do prazo para matrículas. A conversa é confirmada em troca de e-mails entre o pai e um funcionário do colégio. A recusa motivou o pai a registrar boletim de ocorrência. Foi a aberto ainda inquérito no Ministério Público Estadual.
O Colégio Marista Arquidiocesano informou que há condições ideais para trabalhar com alunos com autismo em uma escola de ensino regular. "Quando conversamos com as famílias que nos procuram, afirmamos, explicitamente, que o cuidado com a criança não nos permite aceitar aleatoriamente a matrícula, pois isso caracterizaria uma negligência para com o aluno com deficiência. O limite, portanto, não é estabelecido pela escola, mas pelas necessidades das crianças que merecem cuidados especiais."
Alegação
Em geral, os motivos alegados por colégios para a recusa vão desde a falta de preparo dos professores à impossibilidade de contratar profissionais para o auxílio dos alunos. O descumprimento da lei leva a multa de três a 20 salários mínimos e até perda do cargo.
Nas particulares, a recusa pode configurar crime com pena de até quatro anos de prisão, com base na Lei 7.853, de 1989. "Eles (os pais) estão em uma busca desesperada pela escola. Vão bater de porta em porta", diz o promotor João Paulo Faustinoni, do Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc).
Na Promotoria de Educação do Recife (PE), por exemplo, houve oito casos de recusa de matrícula desde 2013 na rede privada. Segundo a promotora Eleonora Rodrigues, as escolas costumam "criar" regras de aceitar no máximo um ou dois alunos por sala. "Não existe esse fundamento legal."
Eleonora explica que a recusa é "sutil" e dificilmente é levada à Justiça. "É um público muito receoso. Existe falta de cultura no Brasil de se exigir o que está na lei." Apesar dos dispositivos legais, nenhum dos três promotores ouvidos souberam informar se algum diretor ou servidor já foi punido.
Em 2012, a Confenen (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino) questionou a obrigação das escolas particulares de atender o aluno com necessidades especiais, alegando que o custo seria repassado à mensalidade. O argumento foi repudiado por entidades ligadas ao direito das pessoas com deficiência.
Entrave das 'filas'
Desde 2011, Ana Rita Alves dos Santos não consegue vaga para o filho Caíque, que tem autismo. Na época, o menino - que hoje tem 6 anos - estava na fila para entrar na creche. Cadastrada há três anos na SME (Secretaria Municipal de Educação), Ana Rita não tem preferência por nenhuma escola. "Parei de trabalhar para cuidar do meu filho, está sendo muito difícil."
A mãe entrou, neste ano, com pedido na Defensoria Pública para cadastrar o filho em uma instituição. A SME disse que o aluno tem prioridade de atendimento no distrito Capão Redondo, mas ainda está em quinto na fila. Ao Estado, a pasta informou que surgiu uma vaga "em 19 de abril", que não foi preenchida. Ana Rita afirmou que nunca foi avisada. Agora, como Caíque cursará o 1.º ano, a mãe deverá fazer nova solicitação.
Para a defensora pública Renata Flores Tibyrissá, coordenadora do Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência, os problemas na rede pública se intensificam. "Eles (os pais) não vão reclamar ou fazer boletim de ocorrência contra a escola pública. Eles vêm pedir uma vaga, não importa onde."
Neste ano, Renata defendeu dissertação de mestrado em que analisou casos que recebeu. Ela constatou que em 88% das vezes os alunos não dispõem de transporte especial para serem levados ao colégio, o que aumenta a evasão escolar.As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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