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Por que os alunos de Harvard têm que jurar que não irão colar

Wikimedia Commons
Imagem: Wikimedia Commons

Sean Coughlan

Repórter especial de educação da BBC

24/11/2015 09h03Atualizada em 28/11/2015 19h31

Neste ano, os estudantes de Harvard estão fazendo algo inédito na história da prestigiada universidade norte americana: prometer não colar nem plagiar.

Mais especificamente, estão aderindo a um código de honra em que juram respeitar os valores da integridade acadêmica.

Isso quer dizer que os estudantes precisam se comprometer a não colar nas provas, a não inventar números em artigos científicos ou copiar trechos escritos por outras pessoas - ou seja, plagiar.

E não se trata de uma promessa feita só uma vez.

Brett Flehinger, decano-adjunto de Integridade Acadêmica e Conduta Estudantil de Harvard, diz que os alunos agora se comprometem com o juramento antes de começar o ano e reafirmam o compromisso em momentos como antes de fazer as provas, por exemplo.

Mudança cultural

A mensagem é de "mudar a cultura", afirma Flehinger, reafirmando respeitar os princípios de honestidade acadêmica em vez de apenas se correr atrás de notas altas.

"Os estudantes estão sob muita pressão, e nem toda essa pressão é saudável", disse. O código de honra deve devolver um pouco de equilíbrio à questão.

"O que tentamos transmitir aos estudantes é que a precisão e a honestidade são os fundamentos de todo o trabalho acadêmico e do conhecimento", reitera o decano.

O Código de Honra de Harvard

Os membros da comunidade de Harvard se comprometem a produzir trabalho acadêmico íntegro, o que significa um trabalho feito em concordância com padrões intelectuais e acadêmicos de atribuição exata das fontes, uso e coleta de dados apropriados e transparência no reconhecimento das contribuições de ideias, descobertas, interpretações e conclusões de outros.

Cola em provas, plágio ou a fraudulenta representação de ideias ou linguagem de outros como própria, a falsificação de dados ou qualquer outra instância de desonestidade acadêmica violam os padrões de nossa comunidade, assim como os padrões do mundo em geral e no campo do conhecimento.

Que diria o fundador da universidade, John Harvard, sobre a necessidade de os alunos jurarem que não vão colar?

Escândalo

A adoção do código de honra ocorreu após um escândalo, em 2012. Durante uma prova, mais de 100 estudantes foram investigados por colar e cerca de 70 foram sancionados.

O que realmente sacudiu a instituição foi a magnitude da desonestidade, que representou uma mancha na reputação de uma universidade acostumada a ocupar os primeiros postos dos rankings mundiais e onde estudaram oito presidentes dos EUA.

A adoção do código, que já ocorre em outras universidades norte-americanas, envia uma mensagem aos novos alunos de que a honestidade deve ser um princípio dos estudantes de Harvard.

Uma pesquisa anual do jornal estudantil Harvard Crimson, baseada em uma amostra de mais de 70% dos novos estudantes, questionou os alunos sobre atitudes desonestas.

Cerca de 9% dos entrevistados reconheceram que já colaram em um exame, uma cifra consistente com anos anteriores.

Outros já haviam colado em seus deveres, tarefas e outros tipos de trabalhos acadêmicos.

No mesmo levantamento, cerca de 23% dos estudantes reconheceram que trapacearam em trabalhos acadêmicos antes de começar a estudar em Harvard.

Mas uma promessa, como a prevista no código, poderia dissuadi-los de colar?

Um estudo publicado em outubro pelo US National Bureau of Economic Research (Escritório Nacional de Investigação Econômica dos EUA) indica que há um nível constante de trapaça.

Ming-Jen Lin, da Universidade Nacional de Taiwan, e Stephe D. Levitt, da Universidade de Chicago, revisaram as provas de ciência feitas em uma "prestigiada universidade dos EUA", cujo nome não revelaram.

Encontraram "evidências convincentes" de cópias feitas por ao menos 10% de estudantes. Os pesquisadores perceberam que alguns alunos que estavam sentados juntos davam respostas erradas exatamente iguais.

"Não surpreende que os estudantes trapaceiem. Eles têm muitos incentivos para fazer isso e a probabilidade de serem descobertos é baixa", conclui o estudo.

"O que talvez seja mais surpreendente é que se faça tão pouco esforço para pegar quem cola."

Mudanças de lugares

O estudo do professor Levitt sugere que os "trapaceiros" normalmente trocavam informação com alguém na carteira vizinha.

Os pesquisadores conseguiram fazer mudanças adotando estratégias bem básicas.

Com pouco aviso prévio, reorganizaram aleatoriamente a distribuição das pessoas na sala de provas para não permitir que elas soubessem ao lado de quem estariam sentadas.

O resultado foi que "quase toda evidência de cola desapareceu".

Mas que diferença poderia fazer um código de honra?

Cary Cooper, professor de psicologia organizacional e saúde da britânica Manchester Business School, não acredita que isso afete muito os alunos desonestos.

"A universidade aplica isso porque impõe um guia explícito de conduta ética e moral e sobre o que é inapropriado."

Dessa forma, se houver uma falha e surgir um escândalo, as universidades podem dizer que suas regras são claras.

Assim, limitam os danos a sua reputação e o risco de demandas judiciais por parte dos estudantes, mas não criam um "sistema de valores institucional", diz Cooper.

Mas ele também assinala que a maneira de colar mudou com a internet trazendo novas incertezas sobre copiar e compartilhar, e que é possível que mesmo os estudantes não interpretem suas ações como desonestas.

Isso inclui os de alto nível, de quem se espera um "desempenho excepcional", indica. Eles "racionalizaram" que "não há nada mau nisso", que é o que os outros estudantes fazem.

"Há algumas pessoas que estão tão motivadas para obter bons resultados que acabam cruzando a linha."