Topo

Por que conhecer os clássicos da educação brasileira?

Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL
Anna Helena Altenfelder

29/08/2017 13h16

Em minha primeira coluna para o UOL, propus uma questão: que educação o Brasil quer e precisa? É possível que cada um a tenha respondido individualmente a sua maneira, mas a educação é um campo que demanda respostas coletivas, sejam elas quais forem.

É preciso que ela reflita consensos construídos por todos, para então concretizá-la em políticas de Estado. Dado que os desafios históricos da educação brasileira não são uma novidade, olhar para algumas das respostas que já foram dadas a esta pergunta pode ser mais valioso do que querer inventar a roda.

Como define Ítalo Calvino na obra parodiada no título desta coluna (Por que ler os clássicos?): “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. O mesmo se pode falar de alguns educadores brasileiros que já propuseram algumas respostas possíveis para essa questão desde que se iniciou o processo de formação do Brasil, ou ao menos desde que a educação passou a ser vista como parte fundamental de um projeto de nação.

No início do século XX, os educadores Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho e a poetisa Cecília Meireles, entre outros, foram responsáveis por um dos grandes marcos da educação brasileira: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932. Atuando como pensadores e “diretores de instrução pública” (nome da época para os secretários de educação), foram os primeiros a defender um sistema público de ensino laico e aberto como forma de combater as desigualdades sociais, quando menos de 10% da população tinha acesso à educação e o ensino era dominado por grupos religiosos.

A proposta inspirou experiências importantes, como os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) do Rio de Janeiro e a educação integral que conhecemos hoje. A ideia de uma escola primária capaz de cuidar desde a saúde até a formação cidadã das crianças foi defendida no livro Educação Não é Privilégio, cujo título é usado ainda hoje como reivindicação em manifestações públicas. A força e inovação de suas propostas, embora nunca plenamente realizadas, mudaram a concepção de educação do país e ajudaram a fundar um ideal de escola pública no Brasil.

O pensamento dos pioneiros da educação influenciou uma segunda geração e educadores, entre eles Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes. O primeiro, além de ser um grande defensor dos povos indígenas, foi o Ministro da Educação responsável por uma ampla reforma universitária que deu origem a inúmeras universidades, entre elas a UnB (Universidade de Brasília).

Florestan Fernandes, por sua vez, atuou como sociólogo e professor universitário. Na educação, foi responsável por elaborar um diagnóstico substancial sobre a situação educacional do país, identificando os obstáculos históricos e sociais ao desenvolvimento da ciência e da cultura na sociedade brasileira.

Nos anos 1960, ganha força a pedagogia crítica, que propõe que a emancipação dos estudantes deve ser o principal objetivo da educação. Entre seus grandes autores está o filósofo e patrono da educação brasileira, Paulo Freire. Reconhecido no mundo todo como um dos grandes pensadores da história da pedagogia, ele criou um método de alfabetização revolucionário ao propor um princípio fundamental: o de que o aluno chega à escola com uma cultura própria e de que ela deveria ser parte de sua educação.

Na mesma época, a educadora Maria Nilde Mascellani coordenava a criação dos ginásios vocacionais no estado de São Paulo. As unidades se propunham a oferecer educação em tempo integral para o que hoje são os anos finais do ensino fundamental, respeitando a vocação do aluno e de sua comunidade e garantindo formação cidadã e profissional.

Os nomes citados não têm a pretensão de esgotar as referências possíveis. De toda forma, são alguns exemplos dos muitos educadores que ajudaram a formar um pensamento educacional brasileiro. Parte dessa produção já está disponível em domínio público. Se suas propostas não resolveram todos os problemas de nossa educação, ajudaram a construir o que é hoje a escola brasileira e trouxeram avanços significativos num país marcado pela exclusão e desigualdade.

Num momento em que criticar a escola pública virou lugar comum para alguns setores da sociedade com grande espaço na mídia e em que o pensamento sobre educação produzido em alguns poucos centros de estudos no exterior parece dominar as propostas para área, reconhecer a contribuição dos grandes nomes que influenciaram nossa educação é fundamental. Ainda que a produção internacional traga referenciais importantes para o debate, não podemos esperar só dela as respostas para questões que são muito nossas. 

As políticas propostas no passado por esses e outros tantos educadores são o melhor ponto de partida para entender nossos desafios presentes e possibilidades futuras. Da mesma forma que devemos conhecê-los, precisamos (re)conhecer o saber construído pelos milhares de educadores anônimos que reinventam a cada dia, no cotidiano das escolas e universidades, a educação brasileira. Afinal, ainda que alguns grupos tentem silenciá-los, são eles e seus alunos que conhecem essa realidade melhor do que ninguém. Se quisermos avançar numa educação de qualidade para todos, precisamos aprender a ouvi-los.