Brasil precisa qualificar o debate da educação
Vinte e oito de abril é o Dia da Educação. Há quem discorde, mas é fato que o tema tem recebido maior atenção da sociedade brasileira. E isso é ótimo! É uma conquista advinda de muitos fatores, fruto do trabalho de inúmeras pessoas e instituições. Contudo, é preciso que seja observada a profundidade do debate...
Não há dúvida de que a qualidade da educação básica é o maior desafio educacional da sociedade brasileira, por exemplo. Contudo, não é raro ver "especialistas" (assim mesmo, entre aspas) e governantes que não sabem que a educação básica começa na creche e termina no ensino médio. Há quem cometa o disparate de excluir a creche, primeira etapa da educação infantil, do conjunto da educação básica. Outros reduzem a educação básica ao ensino fundamental.
Como se fosse pouco, quase todo dia alguém solicita a inclusão de algum tema no currículo nacional. Se todos os pleitos fossem aceitos, a carga horária nas escolas brasileiras teria que contrariar o próprio movimento de rotação da Terra, criando o dia com 48 ou 72 horas. Supondo que isso fosse possível, ainda seria necessário informar aos pleiteantes que as diretrizes curriculares nacionais são pouco operativas. E que todo o debate curricular precisa ser destravado por aqui. Inclusive na determinação (ou não) de uma base curricular comum nacional.
Muitos empresários e economistas brasileiros defendem que a educação brasileira carece, essencialmente, de boa gestão. E acreditam que a razão pedagógica pode ser submetida à razão mercantil. Justiça seja feita, o equívoco daqui possui paralelos em outros cantos do mundo. Contudo, boa parte das nações começa a perceber que é um tema que pertence a todos, mas deve ser tratada por especialistas. E os profissionais da educação têm sido capazes de estabelecer processos de contrarreformas às propostas empresariais.
Conseguem isso por um único e óbvio motivo: a lógica dos negócios é contraproducente nas escolas. Citando um exemplo próximo, o Chile começa a revogar as escolas charter. Já nos EUA o movimento pedagógico tem acumulado importantes vitórias. E vamos ficando atrasados.
Aqui no Brasil outro erro comum é tratar os resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) como sinônimo de qualidade da educação. Algo curioso, pois no próprio nome do indicador não existe nada que mencione ou lembre qualquer elemento qualitativo. O Ideb, entre méritos e limites, precisa ser considerado no debate educacional. Mas em termos concretos, ele é apenas um ingrediente no extenso cardápio que compõe a qualidade da educação.
Há outras esquizofrenias, sem nenhum amparo nos dados, como dizer que o Brasil gasta muito com ensino superior, sendo que a cada R$ 1 real público investido em educação, o nível superior fica com apenas R$ 0,15. Além disso, onde são formados os professores de educação básica senão nos instituições de ensino superior? Ou seja, há uma interdependência entre esses dois níveis de ensino.
Por aqui, o senso comum acredita piamente que reprovar é uma medida pedagógica necessária, tornando o castigo uma estratégia para a aprendizagem. É um erro, mas o senso comum influencia marcadamente os gestores públicos, especialmente porque ele rege a questão eleitoral.
Há equívocos banais, como confundir o curso de bacharelado dos professores com a habilitação para o magistério, ignorando-se a exigência de licenciatura para os docentes dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio.
Assim, em uma semana o país foi informado pela grande impressa que 67,5% dos docentes do ensino fundamental e 51,7% dos professores do ensino médio não têm formação adequada para dar aulas. O dado era inconsistente, pois considerava apenas o curso de bacharelado.
Após críticas, na semana seguinte, a informação foi revista e corrigida: em 2013, 21,5% dos professores brasileiros que davam aulas nos anos finais do ensino fundamental (6° ao 9° ano) não fizeram ensino superior. Dos profissionais em sala de aula nessa fase de ensino, 35,4% não são habilitados para dar aula – ou seja, não fizeram licenciatura. No ensino médio, 22,1% dos professores brasileiros não são licenciados. Os números não deixam de ser alarmantes, mas são bem menos críticos do que se imaginava. Portanto, é preciso cuidado na produção e na divulgação de dados.
Poderia passar todo o Dia da Educação demonstrando os equívocos comuns cometidos no debate sobre as políticas públicas educacionais no Brasil. No entanto, nada é pior do que a insistência na falsa oposição entre mais recursos para a educação versus melhor gestão, tornada constante a partir da definição do patamar de investimento equivalente a 10% do PIB para a educação pública no Plano Nacional de Educação, que ainda tramita no Congresso Nacional.
É óbvio que o financiamento adequado da educação é um meio para a boa gestão da área, pois não é possível transformar água em vinho, ou viver do milagre de tirar leite de pedra. E quando já se pensava que todas as falácias tinham sido declaradas sobre a falsa querela, alguns economistas inovaram ao dizer que "não falta mais recurso, falta política pública" na educação.
E com isso inventaram algo parecido como a combustão sem oxigênio e a navegação sem mar. Sem orçamento, não existe política pública. É simples assim. E sem melhores salários, carreira atrativa, formação continuada, não há profissional motivado. Em qualquer área, ainda mais na tarefa de ensinar. Basicamente, é por isso que é preciso mais recursos para a educação pública.
Enfim, se datas comemorativas servem para a reflexão, elas podem também servir também para o elenco de desejos. Que a educação seja um tema ainda mais frequente e diversificado no Brasil, mas que a quantidade das opiniões não obscureça a profundidade e seriedade exigida pelo tema. Dito isso, concordo com a educadora estadunidense Diane Ravitch, que cravou: "a educação é importante demais para entregá-la às boas intenções de amadores". Feliz Dia da Educação!
Daniel Cara
Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP.