Educação em direitos humanos, além da disciplina
Muita gente comprometida com a luta pelos direitos humanos tem defendido a inclusão de disciplina sobre o tema na grade curricular. No mês passado, aliás, foi sancionada na cidade de São Paulo lei (nº 16.493/2016) de acordo com a qual as escolas municipais passarão a oferecer tópico específico para “debate e compreensão dos direitos humanos” nas disciplinas de história e geografia.
Teve quem comemorou. Eu fico com receio. Para mim, pensar a educação em direitos humanos em termos de uma matéria escolar pode ser um tiro no pé.
Sem dúvida, leis como a ora aprovada, em São Paulo, merecem aplausos se comparadas com os projetos de lei que se espalham por aí, feito gripe (contaminando a turma que não tomou vacina), pedindo uma escola que, juntando tudo, é sem partido, mas ensina o criacionismo e proíbe “ideologia de gênero”.
Educação em direitos humanos pode, é claro, implicar uma disciplina que promova o debate sobre o assunto. Bacana. Mas não pode parar nisso. Tem de ir muito, muito além da grade curricular. Exige expandir o olhar. A ideia deve estar por toda parte. Na sala de aula, no corredor, na biblioteca, nos sanitários, no laboratório, na cantina, na sala dos professores, na diretoria, etc. e etc. Tem de estar presente na organização dos espaços, no relacionamento entre as pessoas e na administração da escola. E tem de extrapolá-la, para pautar a organização das redes de ensino, as políticas públicas e a atuação da sociedade e do poder público -- municipal, estadual e federal.
Tudo isso para, enfim, chegar ao aluno.
Falando da educação democrática (o mesmo vale para a educação em direitos humanos), o psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg destacou o óbvio que ignoramos: tem de haver coerência entre os princípios ensinados e o processo de ensino-aprendizagem desenvolvido. A educação, na escola e fora dela, tem que “autenticar” esses princípios, aplicando-os na prática.
Ninguém ensina (nem aprende) nada “em tese”, como teoria não praticada. Para a formação do jovem, complementa John Dewey, o exemplo é muito mais poderoso do que o preceito, a regra.
E falar de educação em direitos humanos, no Brasil, hoje, é partir de um contexto em que prevalece a cultura de profundo desrespeito aos direitos humanos.
Para citar alguns tristes exemplos, tem escola que, para preservar os lucros, quer limitar acesso do aluno com deficiência (e muitos pais concordam isso). Tem governador (o de São Paulo) que, para impor uma reorganização escolar da sua cabeça, pretensamente “técnica”, descumpre o princípio constitucional da organização democrática do ensino público. Tem ministro da Justiça que, antes de ser ministro, para desocupar escola ocupada por alunos, já defendia reintegração de posse sem ordem judicial e com policial armado.
Em um cenário desse, de maus exemplos, uma disciplina confinada em uma grade pode pouco ou nada. Pior, pode servir de argumento à escola, ao governante e ao ministro de que, no País, existe educação em direitos humanos.
Imagine, você, que tristeza. A educação em direitos humanos pode se limitar a uma aula teórica em que os alunos ouvem (se, eventualmente, estiverem prestando atenção), e o professor repete -- gritando, se necessário, para ter o silêncio da turma -- a "doutrina jurídica" de Alexandre de Moraes.
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