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Hoje não tem coluna

Manifestação contra o impeachment na rua da Consolação, em São Paulo - Júnior Lago/UOL
Manifestação contra o impeachment na rua da Consolação, em São Paulo Imagem: Júnior Lago/UOL
Guilherme Perez Cabral

05/09/2016 06h00

Hoje não tem coluna. A intenção é tratar, toda semana, de um tema que passa pela educação e pelo direito. Um texto curto sobre algo que aconteceu recentemente e que provoque uma reflexão. Quem sabe, um aprendizado.

Mas fica muito difícil encontrar a educação e o direito, diante do duro golpe concluído (ou apenas começado) na semana passada.

Não há educação quando as pessoas estão tomadas por certezas. A mente, valendo-me mais uma vez de Cortázar, se tornou uma "casa tomada". Monstruosas certezas tomam conta de todos os espaços da mente. Não cabe mais nada. O dono é posto para fora. Despejam-no de sua própria morada, de sua razão.

A educação, para Sócrates, se realiza pelo diálogo. O diálogo em que, perguntando e reperguntando, destruía as certezas e respostas fáceis do parceiro de conversa. Colocava a ignorância a descoberto, para o ignorante, e permitia, assim, conversando e refletindo, o nascimento do conhecimento "verdadeiro".

O problema é que, mais de dois mil anos depois, a turma está tão certa de suas certezas, com a casa tomada, que dispensa o aprendizado (e o diálogo). O Senado, por exemplo, no papel de juiz, estava tão certo de suas certezas, que ficou vazio, durante os debates que antecederam o impeachment da Presidente. Parte significativa do Brasil afirma, com certeza, que concorda com o que aconteceu (não foi golpe!), mas não leram nem sequer uma linha sobre o assunto.

Homens fardados, agora, agridem e cegam manifestantes. Só alguém tomado de certezas abre mão do diálogo, do respeito e da educação, e parte para a violência.
Quanto ao direito, ele se perde quando não se distingue do ato de poder, arbitrário, oportunista e sujo. Se não se distingue, não precisamos de uma palavra a mais, à toa, no dicionário. Eliminemos o direito, a palavra inútil.

Apesar das dificuldades inerentes a um país que tenta aprender a viver a democracia, na medida em que a experimenta, não íamos tão mal. Com seus quase trinta anos, a Constituição já nos gerava expectativas em relação ao modo como os outros agiriam: esperávamos dos políticos e dos cidadãos em geral, um mínimo de respeito aos nossos direitos, posturas minimamente de acordo com a Constituição.

Quando isso é rompido bruscamente, num só golpe, fica tudo mais difícil. A Constituição não vale tanto assim. Perde sua força. Ninguém se sente mais obrigado a cumpri-la.

Chamar de “constitucional” a condenação da Presidente por um crime que ninguém sabe muito bem qual é, que nem os juízes se preocuparam em saber se, de fato, aconteceu, faz lembrar o “véu de legalidade” com o qual os militares tentavam vestir a ditadura. Triste, no texto “constitucional” imposto em 1969, faziam referências a atribuições “legalmente” conferidas pelo Ato Institucional nº 05!

Você tem de estar muito certo de seus propósitos, tomado de certezas, para recusar o argumento de que houve uma ruptura institucional grave na deposição da Presidente.

Hoje não tem artigo porque, para mim, o direito (e, com ele, a democracia) sofreu um golpe baixo e a nossa (falta de) educação não foi capaz de impedi-lo.
Não adianta apelar para a consciência de um golpista. Nem tentar um diálogo socrático. Suas certezas o despejaram de sua própria casa, de sua mente. E a dominaram.