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Adultos sem educação

Guilherme Perez Cabral

12/12/2016 06h00

Manhã de sábado de dezembro. 10:05. Atrasados para a apresentação de fim de ano das crianças, no banco de trás do carro acelerado. Chegaram. Pais e filhos pulam do automóvel, mal estacionado em algum lugar proibido.

Entram no ginásio arrumado para o musical infantil. Palco, cadeiras, telão, decoração. Além disso, muitos, muitos adultos fora do lugar. Pais, tios, avós. Em pé, falando alto, amontoando-se lá na frente. Crendo-se mais importantes que os outros, criam sua própria área VIP. Mais atrás, muita cadeira vazia.

A professora, na entrada, pega os recém-chegados e corre. Só um sorriso educado, com censura, aos pais atrasados. Ufa, deu tempo, pensam. E se acalmam, vendo que as mais de cem crianças, de três a dez anos, todas brancas (menos uma) ainda tomam seus lugares no palco, conduzidas por meia dúzia de professoras brancas (menos uma). A escola é privada. Seu público, pretendente à elite branca.

Enquanto se arrumam, chegam mais crianças atrasadas. O espetáculo começaria às 10. Pediram para chegar 15 minutos antes. Já são dez e meia e ainda chegam crianças, levadas pela professora que corre, depois de um sorriso educado e de censura aos pais atrasados.

Parece que vai começar. Com o microfone, a coordenadora pede educadamente para que os pais sentem e liberem o espaço na frente do palco, mas é absolutamente ignorada. Sua fala talvez chegue aos destinatários, mas não os toca: o recado deve ser para os outros, devem pensar os que ouviram. Pede de novo e é novamente ignorada. Continuam os pedidos educados e ignorados. Na quinta ou sexta vez, a senhora sobe o tom e informa que, se não se sentarem, não começa (algo como, “menino, se não comer, não tem sobremesa!”). Alguns saem da frente.

Antes do início, a coordenadora explica. É um musical, gente. As crianças cantam, todas juntas, e, entre as músicas, há diálogos entre os nossos pequenos artistas. Por isso, para não atrapalhar a sequência da apresentação, por favor, não batam palmas ao final de cada música. Esperem até o fim da peça, ok?

Ninguém prestou atenção.

Começa. É um musical sobre as belezas do Brasil. Sua natureza, sua cultura, sua diversidade e outras riquezas que não seriam vistas no salão.

Ao fim da primeira canção, antes que o menino do 2º ano pudesse iniciar sua fala, uma grande salva de palmas toma conta do lugar. O ator mirim aguarda o silêncio, que não viria nunca, para a sequência da cena. E assim se seguiu, a cada música concluída, aplausos calorosos fora de hora, dos adultos fora do lugar. Lá pelas tantas, os meninos e meninas só cumpriam o roteiro, ora falando junto com as palmas, ora disputando o espaço (e atenção) com outros barulhos.

Acabou. Pais correm em direção ao palco para pegar seus pequenos. Empurram cadeira, empurram outros adultos e empurram crianças. Bolsada na cara dos menores. Arrastão e falta de educação.

São adultos sabidos, cheios de opinião e certezas. Juízes dos outros. Doutores em assuntos de família, moral, religião, economia e política. Falam, com propriedade, sobre o impeachment da presidente, a urgência da “PEC do teto”, a decisão que absolve quem faz aborto, a liminar do Marco Aurélio, a importância da Lava Jato, a prisão de Cunha, a grandeza de Sérgio Moro, a reforma da previdência.

Têm respostas para todos os nossos problemas. Sabem o caminho certo para um novo Brasil, livre de petralhas corrutos e outros inimigos comuns.

No sábado de manhã, porém, revelam toda a sua humanidade. E se revelam incapazes de se comportar, minimamente, numa simples apresentação escolar de fim de ano.