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Educação e direito imprudentemente poéticos

Guilherme Perez Cabral

06/02/2017 10h34

Retomamos nossa fala semanal sobre educação e direito.

O ambiente continua desfavorável ao diálogo sobre temas assim, tão fundamentais, tão complexos, compreendidos de formas tão diferentes e objeto de tanta divergência. Traços, aliás, que se estendem a tantos outros assuntos marcadamente humanos.

Não temos maturidade para conversar. Preferimos os monólogos. Pessoas falando suas crenças para outras que comungam das mesmas crenças. Queremos a confirmação do que acreditamos. Pouca leitura, pouco contato com outras realidades, pouca disposição para outras verdades.

Rotulamos tudo e todos. O que pensam os que pensam diferente de nós pode então ser recusado desde logo. Não importa. O rótulo facilita nossa vida, dispensando os diálogos (e aprendizados) que parecem não interessar.

O ambiente é o da resposta fácil, a mais próxima de nossa visão rotulada do mundo, mesmo para questões difíceis até de serem postas. O ambiente é, também, de ódio, de agressividade que não levam a lugar nenhum. Vale interromper a fala do outro antes de terminar, xingar, vale desejar (e comemorar) a morte. É o mundo do “tá com pena, leva pra casa”. A verdade é a explicação mais simplista e raivosa. E basta.

Voltamos assim mesmo, teimando em provocar reflexões sobre educação e direito. Falas que se pretendem críticas no sentido, referido por Boaventura S. Santos, de abrir possibilidades e caminhos para além da realidade criticada, que indigna. Isso que está aí não é o nosso limite. Não é o nosso melhor, definitivamente.

E nossa referência maior, para 2017, será a menina cega Matsu, do belíssimo livro de Valter Hugo Mãe, “Homens imprudentemente poéticos”. O li nas férias.

Matsu é irmã de Itaro, cheio de amargura e raiva, vizinho (e inimigo) de Saburo. Itaro previa o futuro, no instante da morte dos bichos que matava (um peixe, um besouro ou outro qualquer). Contou a Saburo que previu a morte de sua esposa por uma fera que desceria de uma montanha próxima à vila.

Saburo começou, então, um jardim ao pé da montanha. Faria da floresta um “jardim sensível que, à passagem de qualquer bicho zangado, funcionaria como escola de modos, uma lição de ternura e respeito que ensinaria a todas as fomes a importância de se respeitar a vida das pessoas”. As flores do seu jardim, dizia, “são uma escola”.

Matsu, na casa ao lado, com sua fala afetuosa, buscava acalmar a fúria e amargura do irmão. Plantava palavras em seu jardim discursivo: “A fera seria incapaz de o atravessar ignorando a beleza”. A ideia de um “jardim discursivo” me tomou.

O intento de plantar palavras em jardins discursivos, tratando da educação e do direito, não é nada fácil. Não temos, evidentemente, nem de longe, a sensibilidade e a competência de Matsu e Mãe para tanto.

Mas a ideia é interessante e, sobretudo, fértil, fecunda. Ademais, as feras raivosas com as quais lidamos não são bichos selvagens que descem da montanha. Aparentemente, são seres humanos.

Falaremos de nosso tema de forma crítica e propositiva, com afeto, com poesia. Não precisamos brigar porque criticamos ou somos criticados, porque discordamos uns dos outros. Receosos quanto à eficácia do esforço, correremos o risco dessa imprudência poética.