Parar e pensar sobre o nonsense
O júri chegou a um veredicto unânime, anuncia o juiz aos presentes. O réu é condenado à morte, pela prática de homicídio (vários, na verdade).
O agora condenado, que ouviu tudo de pé, curva-se em sinal de respeitoso agradecimento. O policial dele se aproxima, solta a algema que o prendia pelos pulsos e o cumprimenta. Mais um policial o cumprimenta. O mesmo faz o sujeito de beca, oferecendo-lhe um cigarro, aceso pelo homem ao lado, muito cortês.
O condenado caminha para a porta de saída do tribunal, onde pessoas o abordam, pedindo autógrafo. Atendidos os pedidos, vai embora.
A cena nonsense (incoerente, surreal, sem sentido) está no filme “Fantasma da liberdade” (1974), de Luis Buñuel. O condenado é Bernand Levassen, um sujeito que, momentos antes, da janela de um prédio, havia atirado ao acaso em quem passava pela rua.
Não se trata, enfim, do goleiro do qual tanto temos falado, condenado pela morte da mãe de seu filho. Mas há semelhanças entre as duas situações: tietagem, autógrafos e fotos com o condenado por homicídio.
Para muita gente, o nosso “filme” de Buñuel não é nada absurdo. Faz sentido. Para mim, não, não faz sentido tirar “selfie” com o cara. Vejo como um completo nonsense, o que segue, o que precede e o que circunda o caso.
É um nonsense o fato de o goleiro ficar preso seis anos, sem condenação em definitivo (o recurso ainda não foi julgado), como também é o fato de cerca de 40% dos presos, no Brasil, estarem na mesma situação: encarcerados sem condenação definitiva.
É um nonsense valorizar pessoas condenadas por um crime brutal e lhes pedir autógrafo na porta do Tribunal. Também o é valorizar sujeitos acusados de gravíssimos crimes de corrupção, aceitando ser por eles comandado. Também o é ligar a televisão e ver o “comentarista de política” fazer “assessoria de imprensa” (verdadeira tietagem) dessa gente que governa o país.
É um nonsense passar a mão na cabeça de criminoso, seja lá qual for o crime (homicídio, corrupção, etc.), como também o é defender seu linchamento, morte lenta e dolorosa, como têm feito críticos das “selfies” com o goleiro. Se cometeu o crime, cumpra a pena, na forma da lei e, depois tenha a oportunidade de se reinserir na sociedade: trabalhar, cuidar do filho, se divertir também, por que não?
É um nonsense achar que o direito penal vai resolver os problemas de violência, de corrupção e de misoginia no país.
A sugestão de Dewey para uma reflexão e ação inteligentes --que façam sentido, portanto-- é o velho adágio “pare e pense". Mas ele não tem sido muito adotado.
Não dá tempo de parar. E tem muita informação. Muita informação para pouca reflexão. E o que é pior, muita informação ruim. Conclui-se e se age, então, sem pensar. O que resta de raciocínio é pobre, sem nenhuma crítica. O raciocínio que não se percebe incoerente. Puro nonsense.
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