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Cidadania em falta

Lucila Cano

02/09/2011 07h00

Em média, a cada 20 minutos a Polícia Militar da cidade de São Paulo recebe um chamado para apartar uma briga de trânsito. São cerca de 70 ocorrências diárias e nem sempre elas têm final feliz.

A notícia é de julho passado e, embora o número de casos surpreenda, a violência no trânsito não é privilégio da capital paulista.

Em Botucatu, no interior de São Paulo, uma briga de dois jovens irmãos com outro motorista terminou em tragédia numa manhã do domingo, 14 de agosto. Um dos irmãos levou um tiro e, aos 28 anos, deixou órfão um bebê de apenas 18 dias.

Na sexta-feira, 26 de agosto, a insanidade ao volante atingiu grau máximo em uma rua de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Ao querer explicações do caminhoneiro que bateu em seu carro, um motorista recebeu como resposta três tiros. Uma das balas ficou alojada na testa e, segundo médicos, não deve ser retirada. Pelo resto de sua vida, esse homem carregará consigo a marca de uma agressão desmedida.

Neste País cada vez mais urbano - 84,35% da população vivem em área urbana, segundo o Censo 2010 -, o brasileiro vem se revelando campeão de incivilidade, em flagrante desrespeito a si próprio porque, a cada briga de trânsito, está colocando em risco a sua vida.

Educação e economia

Educação e economia deveriam caminhar juntas. Não é bem isso o que ocorre nesta que se convencionou rotular como terra de contrastes. Pesquisas recentes realizadas nas duas áreas nos dão mostras de que evoluímos na economia e regredimos na educação.

No Nordeste, a economia prospera. A região cresce o dobro da média das demais regiões do Brasil e as oportunidades de trabalho se multiplicam. A qualidade de vida melhora e, assim, o País vai resgatando um pouco da dignidade e do equilíbrio necessários para que todos se sintam parte integrante de uma grande nação, independentemente da região em que vivam.

Em matéria de educação, as diferenças persistem. Prova do Movimento Todos pela Educação com 6.000 alunos que concluíram o terceiro ano do ensino fundamental em todas as capitais brasileiras apurou o que a gente desconfiava, mas não queria confirmar. Quem estuda em escola particular tem melhor rendimento do que quem estuda em escola pública. Quem está no Norte e Nordeste tem pior desempenho do que quem está no Sul e Sudeste.

Com a economia apontando para um lado e a educação para outro, como será o futuro dessas crianças? Continuará havendo oportunidade de trabalho, como no estágio de muitas obras que ora vivemos? E o emprego intelectual, a quem caberá? Quantos encabeçarão a pesquisa científica, a modernização industrial, a inovação tecnológica, a preservação ambiental?

Cidadania na escola e em casa

Os desatinos das brigas do início deste texto ocorreram nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que detêm melhor padrão de ensino. Pois é, civilidade e educação também transitam em vias opostas.

Além de aprender a ler, escrever, calcular e raciocinar, nossas crianças precisam, com urgência, aprender a entender e respeitar. E isso não se aprende só na escola.

Na verdade, todos sabem, mas não custa repetir, a formação do indivíduo com base nos valores da cidadania independe de posição econômica e social, ou nível de escolaridade. Ela se reafirma no dia a dia, através dos exemplos dados por aqueles nos quais as crianças se espelham: a família e os professores.

O currículo escolar já incorporou assuntos muito importantes para que nossas crianças se tornem adultos melhores, quer seja em disciplinas programadas, quer seja em semanas temáticas. Entre eles estão a educação ambiental, a diversidade cultural, a educação sexual, a saúde e a nutrição. A própria cidadania se faz presente nas aulas de educação para o trânsito. Mas ainda é pouco.

Neste início de setembro, esta coluna completa 10 anos. Aproveito para fazer um pedido a todos os que trabalham com a educação e a todos que convivem com crianças. Vamos redobrar nossos esforços para que as gerações futuras sejam mais íntegras, mais educadas, mais prósperas e menos violentas.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.