País em obras
Monumento símbolo da nossa Independência, o Museu Paulista da USP, conhecido como Museu do Ipiranga, e localizado no bairro do mesmo nome na cidade de São Paulo, foi fechado para reformas no início de agosto.
Fala-se em reabertura em 2014, mas o ano de 2022 é dado como data mais provável para a conclusão de todas as obras. Então, comemoraremos 200 anos da Independência do Brasil, embora o museu seja mais jovem. Começou a ser erguido em 1885, ficou pronto em 1890 e foi inaugurado em 7 de setembro de 1895.
O projeto original previa alas laterais que não foram construídas por questão de economia. Os jardins só ficaram prontos em 1902. Mesmo assim, o museu sempre impressionou, como se fosse um mini Palácio de Versalhes, com seu espelho d’água em direção ao lado oposto do terreno onde, em 1922, foi inaugurado o Monumento à Independência, também incompleto.
É nessa obra, concluída quatro anos depois da comemoração do primeiro centenário da Independência, que está a cripta construída para abrigar os restos mortais do imperador Dom Pedro 1º e de suas duas esposas, Leopoldina e Amélia.
Memória 1
Como é possível perceber nesta síntese, a constância com que obras são entregues inacabadas, fora de prazo e com projetos alterados, faz parte da nossa história. No caso dos monumentos, há agravantes.
Nosso apego à memória deixa a desejar. Talvez por sermos um país ainda jovem (500 e tantos anos são pouco tempo na construção de um povo). Valorizamos os monumentos e acervos de outros países, enquanto os nossos são ignorados e, pior, frequentemente pichados e danificados.
Entre alguns grupos virou moda confundir reivindicação com depredação. O resultado não é apenas a agressão ao patrimônio alheio, mas ao patrimônio público legado por nossos antepassados. Como será o futuro de um país sem memória?
A falta de manutenção e o uso muitas vezes incorreto de materiais e equipamentos por parte dos órgãos responsáveis pela preservação também surpreendem. Na década de 1990, uma empresa fabricante de tintas doou seus produtos para a pintura da fachada do museu, cujos nichos eram constantemente invadidos por pombos.
Leio, agora, que um dos problemas da fachada é justamente a tinta utilizada naquela reforma, “que não deixa o prédio respirar”. Ninguém analisou isso na época?
Tomo o Museu do Ipiranga como exemplo, dada a proximidade de mais um 7 de setembro. Mas esses equívocos construtivos são muito comuns no Brasil, não só em monumentos, mas em estradas, pontes, viadutos e tantas obras mais.
Profissionais capazes, nós temos, e dos bons, ao contrário dos tempos em que o museu começou a ser erguido e foi necessário importar operários especializados da Europa.
A boa notícia é que a atual reforma inclui um plano de expansão do chamado Parque da Independência, que aumentará a área ocupada pelo museu e seus jardins, inclusive com a incorporação de novos prédios.
Memória 2
O antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908/2009) foi um dos primeiros professores estrangeiros da então recém-fundada Universidade de São Paulo entre os anos de 1935 e 1939. Para quem já ouviu falar de um dos seus livros mais conhecidos - “Tristes Trópicos” (1955) -, mas nunca teve a oportunidade de lê-lo, fica a recomendação.
Vale a pena refletir a respeito do “país em obras” (as aspas são minhas) pela ótica do professor estrangeiro que viveu em São Paulo e presenciou o crescimento desordenado da cidade. Do livro, resgato o trecho: “No instante em que se ergueram os novos bairros, quase não chegam a ser elementos urbanos: são demasiado novos, brilhantes e alegres para o serem. Assemelham-se mais a uma feira, a uma exposição internacional construída para durar alguns meses. Passado este período de tempo, acaba a festa e essas bugigangas gigantescas definham: as fachadas estalam, a chuva e o fumo enchem-nas de sulcos, o estilo passa de moda, a ordenação arquitetônica primitiva desaparece com as demolições que são exigidas, e também por uma nova impaciência”.
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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