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Surpresas da Primavera

Lucila Cano*

27/09/2013 05h16

A força da natureza não passa despercebida. Ela se manifesta de um jeito devastador em tempestades, inundações e deslizamentos, cada vez mais comuns e intensos no país. Isso, sem falar nos fenômenos que ocorrem em outras partes do mundo e aos quais não estamos imunes.

Mas a natureza tem um lado mais suave e se exibe singela e emocionante nas florações dos ipês que resistem aos maus tratos das grandes cidades. A primavera chegou e com ela, não só os ipês, mas outras tantas árvores cobrem as calçadas com tapetes de flores coloridas, ocupando as ruas às quais têm direito.

Esse espetáculo também brota de paredes de concreto ou de telhados maltratados pelo tempo. Basta observar pelos cantos de qualquer cidade e, de repente, somos surpreendidos pela natureza que insiste em transformar o concreto em canteiro. Não importa se pelo descuido do pássaro que ali deixou cair uma semente, ou se pelo vento que a ela proveu abrigo em alguma fenda do cimento.

Natureza e concreto dão liga

O que sempre me pareceu um quase milagre – a planta viva criando raízes no cimento – pode ser receita de sobrevivência para muitas árvores. Ao menos foi o que interpretei da noticia que mexeu comigo nestes dias.

Em Manaus, exatamente na área do Inpa, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, um exemplar de Tanimbuca, com idade estimada em mais de 600 anos, 35 metros de altura e peso superior a 15 toneladas estaria prestes a tombar por ter o tronco oco em boa parte da sua base.

Para preservar a árvore anterior ao descobrimento do Brasil e, portanto, patrimônio natural de valor incalculável, os técnicos do instituto estariam estudando estratégias de sustentação por meio do uso de cabos de aço, ou preenchimento da parte oca com cimento especial.

Torço para que os especialistas do Inpa salvem a Tanimbuca, da mesma forma que torço para que novas tecnologias se desenvolvam em favor da natureza. A Amazônia ainda pode se orgulhar de ter espécies tão preciosas em pé. Mas, em todo o país, a Amazônia incluída, que maravilha seria podermos preservar nossas árvores com recursos tão inusitados como o cimento, até agora alegado vilão da história.

Assim como certa vez um cirurgião recorreu à cola para estancar uma hemorragia em cirurgia cardíaca, e a inovação funcionou, que novos remédios em favor da natureza se apresentem. Precisamos deles com urgência.

Contador de árvores

Outra boa notícia desta primavera é um relógio digital. Instalado em parede externa do prédio da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro, esse contador de árvores registra o plantio de mudas nativas da Mata Atlântica no estado desde o último dia 20 de setembro. Até 2016, a secretaria prevê o plantio de 24 milhões de mudas.

Com a missão de despertar o interesse dos cidadãos pela preservação da Mata Atlântica, até o momento o bioma mais degradado do país, o contador de árvores também poderá ser acessado no site da secretaria, onde outras informações igualmente importantes estarão disponíveis, além, é claro, da quantidade de mudas plantadas.

O Projeto Contador de Árvores almeja preparar terreno para a absorção de carbono da atmosfera quando da realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016. Nessas ocasiões, haverá maior queima de combustível, entre outros agentes poluidores, com a grande movimentação de veículos como aviões, carros e ônibus.

Essa iniciativa aparentemente simples pode fazer muita diferença para a restauração da Mata Atlântica, para a preservação dos recursos hídricos da região e para a qualidade de vida de todos.

Como a Copa do Mundo não se restringe ao Rio de Janeiro, a proposta do contador de árvores poderia ser adotada por outras cidades, o quanto antes. Talvez não tenhamos muita sombra e água fresca até a Copa. Mas, a Copa passa e as árvores ficam. Se cada cidadão adotar e cuidar de uma muda que seja, as árvores plantadas hoje podem melhorar nossa relação com a natureza por anos a fio.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.