Topo

Desistir, jamais

Lucila Cano

12/02/2016 06h00

Em meados de janeiro, um relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) referendou o que especialistas já alertavam sobre a situação do saneamento no Brasil: não vai dar para universalizar o saneamento em 20 anos, como antes fora previsto pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).

Por universalizar, de acordo com o Plano divulgado oficialmente em 6 de dezembro de 2013, deveríamos entender que em 20 anos, ou seja, até 2033, quase que a totalidade da população brasileira em áreas urbanas teria acesso a água potável e esgotamento sanitário.

Nessa previsão, os serviços de fornecimento de água e esgoto atenderiam a mais de 90% dos habitantes das cidades (onde residem mais de 85% dos brasileiros). Além disso, o Plano também contemplava a meta de extinguir os lixões a céu aberto.

No Congresso, nossos representantes flexibilizaram a data limite de agosto de 2014, que decretava o fim dos lixões, para entre 2018 e até 2021, a depender das condições de cada município. Prefeitos declararam insuficiência de recursos e técnicos para resolver o problema.

O avanço do saneamento esbarra em alegações semelhantes: alto custo e falta de investimentos.

A casa de todos nós

Desde a quarta-feira de Cinzas, e durante todo o período da Quaresma, a questão do saneamento ganhará mais visibilidade na Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) somaram esforços para ampliar a Campanha deste ano e contam com o Instituto Trata Brasil como motivador e um de seus parceiros para a divulgação do tema: “Casa Comum, nossa responsabilidade”.

Para tanto, é o próprio Instituto que informa dados do Ministério das Cidades, por meio do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), com base no ano de 2013: “Mais da metade da população brasileira ainda não possui acesso às redes de coleta de esgotos e somente 39% dos esgotos do país são tratados. Cerca de 35 milhões de brasileiros ainda não possuem água tratada e temos mais de 5 milhões de pessoas sem acesso a banheiros. 37% da água potável são perdidos em vazamentos, ‘gatos’ ou problemas de medição”.

Frente a esses percentuais, as igrejas envolvidas na Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 terão a missão de promover discussões e debates regionais entre seus congregados e nas comunidades em que atuam. Nesse contexto, a “Casa Comum” pode ser entendida como o nosso país, onde o saneamento é um direito humano e uma infraestrutura essencial ao meio ambiente e à saúde das pessoas.

Água mole em pedra dura

Persistência é o conceito-chave do velho ditado – “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura” -, que bem se aplica a esta ação conjunta da CNBB, do Conic e parceiros, como o Trata Brasil. Sabemos que as dificuldades para a chamada universalização do saneamento no país são imensas.

Tais dificuldades passam por uma série de entraves no plano governamental, em todos os níveis de governo, e no plano pessoal, das famílias, que precisam ser informadas e conscientizadas sobre seus direitos e deveres como cidadãos.

A morosidade das políticas públicas contrasta com a velocidade da depredação do bem público por pessoas comuns. O lixo que produzimos se avoluma em rios, córregos, ruas, jardins, praças, praias e esquinas do país. O Carnaval recém-festejado deixou um rastro de toneladas de lixo no asfalto e no mar. Para diversão geral de mosquitos e outras pragas do lixo, insistimos em ignorar que a cidade é a casa de todos nós.

Em seus quarenta dias de vigência, a Campanha da Fraternidade Ecumênica não alterará o curso de um plano de saneamento que, agora, se vislumbra para o ano de 2050. Mas, certamente, contribuirá para que mais e mais brasileiros entendam porque precisamos tanto desse benefício.

Saneamento significa desenvolvimento social, mais saúde e melhores perspectivas de vida para todos.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.