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Empreendedor social

Lucila Cano

26/08/2016 06h00

O que faz com que determinadas pessoas se tornem empreendedores sociais? Qual seria o perfil de alguém que acredita numa causa e vive de superar desafios para defendê-la e ampliar o seu alcance? São tantos os nossos empreendedores e tão diversificados os seus caminhos e as suas bandeiras, que me parece inadequado e até injusto querer enquadrá-los em um perfil.

No entanto, uma coisa me parece comum a todos os empreendedores sociais de que tenho notícia: a obstinação. É com a obstinação, que místicos podem qualificar como missão, que um empreendedor não foge à luta. Ele persiste na sua ideia e, por causa dela, tem um papel transformador nas relações sociais. Não importa a dimensão dessa intervenção, se beneficia meia dúzia ou um milhão de pessoas, se é local ou se avança mundo afora. O que importa é que a intervenção social contribui para uma mudança e, se a ideia que ela traz for boa mesmo, daquelas que podem suprir mais de uma lacuna, não há melhor pagamento do que esse para um empreendedor social e todos os investidores que ele consegue conquistar.

Uma ideia, uma ação

Há mais de dez anos, um jovem empreendedor social de passagem pela cidade de São Paulo resolveu ir ao teatro. Não sei a qual peça ele assistiu. Sei apenas que era uma obra de cunho espiritualista que despertou nele uma ideia. De volta a Fortaleza, sua terra natal, ele decidiu transformar a ideia em ação e criou a 1ª Mostra de Teatro Transcendental. Mas não bastava compartilhar com o público a peça da qual ele tanto gostou. Tinha que haver algo mais.

Ele, então, começou a arquitetar o seu plano social: com a peça, levaria cultura e entretenimento aos espectadores, mas por que não criar um vínculo de solidariedade? Tanta gente em tantos lugares se sente feliz com a doação de alimentos não perecíveis em troca do ingresso para algum espetáculo. Por que não fazer o mesmo em Fortaleza? No campo do social, não há nenhum demérito em copiar projetos que dão certo. E foi o que ele fez: ingressos em troca de doações que, depois seguiam para uma entidade assistencial.

Assim começou a Mostra que, neste ano de 2016, chegou à sua 14ª. edição. Nessa trajetória, houve muitos ganhos sociais. Espetáculos já foram apresentados em presídio e, além de amenizar a rotina dos detentos, provocaram momentos de reflexão para esse público. Também já ocorreram performances nas ruas, para que qualquer pessoa pudesse interagir espontaneamente com atores e textos teatrais. À exibição das peças, somou-se uma programação paralela, com oficinas diversas sobre temas ligados à arte de representar. E como nem sempre um palco é suficiente, a Mostra se expandiu para cidades do interior do Ceará.

Cresceu o público, cresceram as doações e, agora, há mais instituições beneficiadas pela Mostra de Teatro Transcendental. Com o passar do tempo, mais patrocinadores aderiram ao projeto, o que pode ampliar ainda mais a sua abrangência.

Resultados

A 14ª. Mostra de Teatro Transcendental, de 25 a 28 de agosto em Fortaleza e de 19 a 26 de agosto em espetáculos itinerantes por outras cidades do Ceará (Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte, Icó, Pentecoste, Viçosa do Ceará, Sobral, Guaiúba e Horizonte), deve render bons resultados.

No total, as edições anteriores atingiram 324 mil espectadores. A Mostra itinerante levou 95 espetáculos para 35 municípios cearenses. Concursos alusivos à Mostra envolveram 540 mil alunos de 98 escolas públicas. As doações beneficiaram 76 entidades assistenciais e somaram: 133 toneladas de alimentos; 11.400 livros; R$ 532.496,00; 5.600 litros de água; 1.187 bolsas de sangue; 4.562 fraldas descartáveis e 80 cadastros de medula óssea.

Tudo isso, porque uma noite um empreendedor social foi ao teatro. Ah, ele também foi ao cinema e, a exemplo da Mostra de Teatro, criou a Mostra de Cinema Transcendental. Mas, essa é outra história que fica para uma próxima vez.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.