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Dorival Caymmi - Músico baiano canta sua terra

Gilberto Gasparetto, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Dorival Caymmi (1914-2008) ficou famoso por cantar a Bahia, o mar, a praia, a jangada, os pescadores, Iemanjá, o vento. Cantava com sua voz inconfundível, grave, profunda, que fixou a imagem que se tem hoje da Bahia, no Brasil e no mundo. Cantava acompanhando-se ao violão que inspirou João Gilberto, com seu toque primitivo carregado de dissonâncias incomuns, sofisticado sem querer ser. Ele foi um exemplo delicado de modernidade espontânea, que chamou a atenção, bem antes da bossa nova, de gente como Radamés Gnatalli e Tom Jobim.

"Dorival é um Buda nagô/ Filho da casa real da inspiração/ Como príncipe principiou/ A nova idade de ouro da canção". Gilberto Gil, com "Buda Nagô", no disco Parabolicamará (1991), faz seu tributo a um dos pilares do cancioneiro brasileiro. Afinal, a obra do baiano Dorival Caymmi representa uma fonte límpida de inspiração, ao evocar as energias ancestrais dos orixás e moldar, em poesia, as forças da natureza.



Violão esquisito

Caymmi nunca foi um virtuose no violão. Mas seu toque tinha uma magia que ele mesmo tentou explicar: "Cheguei aqui com um violão tocado de maneira esquisita para a época. Diferente da usança comum. O violão era então tocado em acordes perfeitos, quadrados. Sempre tive tendência a alterar os acordes perfeitos (...). Havia dois solistas que faziam aproximadamente o mesmo que eu, com uma diferença: eles eram estudiosos de música, eu não. Eram Aníbal Sardinha, o Garoto, e Laurindo de Almeida, que se tornou, nos Estados Unidos, grande solista de jazz".

Foi, no entanto, Carmen Miranda a responsável pelo salto que trouxe reconhecimento ao talento de Caymmi. No final dos anos 30, sua "O Que É Que a Baiana Tem?" (1938) é escolhida para o filme "Banana da Terra". Durante os ensaios, ele ensinava à cantora a melodia da canção e os trejeitos de baiana que viriam a ser a marca registrada de Carmen.

A partir daí, Caymmi se tornou conhecido e entra definitivamente no restrito grupo de autores seminais da MPB. Ele apresentou em seguida grandes canções de temática semelhante, como "Samba da Minha Terra" (1940) e "Rosa Morena" (1942).

Sua maneira de compor alia simplicidade e sofisticação. Caetano Veloso tentou explicar esse procedimento: "As canções de Caymmi parecem existir por conta própria, mas a perfeição de sua simplicidade, alcançada pela precisão na escolha das palavras e das notas, indica um autor rigoroso". A definição do formato final de uma canção sua pode demorar vários anos. Foi o que aconteceu com "João Valentão" (1953).



Dorival Caymmi e a natureza

Em Caymmi nada é gratuito. As famosas canções praieiras, como "O Mar" (1939) e "Suíte dos Pescadores" (1965), são exemplos disto. Suas composições funcionam como extensões de fenômenos naturais, o que é atingido através da inspiração e das experiências vividas. O resultado é uma aproximação entre homem e natureza. Qualquer pessoa, mesmo quem pouco vê o mar, é convidada a sentir o vento batendo (como em "O Vento" , de 1949), as ondas quebrando, o brilho do sol, o balançar do coqueiro, a noite que cai.

Outro aspecto importante da obra de Dorival Caymmi é a maneira como fala da paixão e das dores de amores: "Trata o sentimento com delicadeza e cuidado como se assim preservasse a integração de seu ser com a natureza. As emoções culturalmente marcadas, como ciúme, frustração, vingança, desprezo, não fazem parte de sua dicção. Só aquelas que brotam espontaneamente em qualquer idade, em qualquer época, em qualquer circunstância. Busca a emoção humana essencial, sem vícios, tão antiga e natural quanto a natureza" (Luiz Tatit, "O Cancionista", 1995).

Dorival Caymmi conta que pessoas eruditas, como Villa-Lobos, o aconselhavam a não estudar música. "Diziam que eu ia ser enquadrado em um sistema musical e perder a espontaneidade". Com seu jeito simples e tranquilo, esse Buda nagô ou, como preferia Vinicius de Moraes, esse "mandarim baiano" brindou a música popular feita no Brasil com belíssimas obras-primas, inesquecíveis, como "Marina" (1947), "Das rosas" (1964) e "Saudade da Bahia" (1957).