Filosofia da linguagem (7) - Habermas, Apel e a ética na linguagem
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A teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein e a dos atos de fala de Austin e Searle influenciaram decisivamente os filósofos alemães Jürgen Habermas (1929) e Karl-Otto Apel (1922), que desenvolveram, primeiro conjuntamente e depois cada um ao seu modo, a chamada ética do discurso.
A ética do discurso parte do pressuposto de que existem algumas regras no uso da linguagem que possuem um conteúdo normativo, isto é, que condicionam determinadas formas de agir. Ora, o agir é justamente o assunto da ética. Então, se é possível agir através da linguagem, como vimos na teoria dos atos de fala, seria igualmente possível extrairmos regras de ação a partir das estruturas da linguagem? Investigando essa questão, Habermas e Apel chegaram a uma resposta semelhante por caminhos diferentes.
Habermas partiu da distinção de Austin entre atos de fala ilocucionários e perlocucionários. Segundo Habermas, os atos perlocucionários corresponderiam a certo tipo de ação, que é a ação estratégica, ou seja, aquela em que uma pessoa usa a outra como um meio para realizar um determinado interesse.
Uso parasitário da linguagem
Esse uso estratégico, típico de situações de manipulação e engano, só é possível porque a linguagem está voltada para o entendimento. Ou seja, nosso objetivo ao nos comunicarmos é o entendimento. É sobre essa base de entendimento que o uso estratégico se instala como um uso parasitário da linguagem.
Se eu, por exemplo, pretendo pedir dinheiro a um amigo, sei que ele não vai me emprestar se souber que é para comprar drogas; então invento um motivo aceitável para que ele me empreste. Esta é a diferença entre o uso comunicativo e o uso estratégico da linguagem: enquanto no uso comunicativo o entendimento se realiza ao tornar explícito o que cada um dos participantes pretende ao dizer algo, o uso estratégico não pode confessar-se enquanto tal para que a ação possa ter sucesso.
Por isso, Habermas chama o uso estratégico da linguagem de parasitário, porque ele só é possível quando pelo menos uma das partes toma como ponto de partida que a linguagem está sendo utilizada no sentido do entendimento.
Teoria da ação comunicativa
Para Habermas, só a interação voltada para o entendimento, que se realiza no interior do mundo da vida, onde os participantes harmonizam sem reservas seus planos individuais e buscam, por conseguinte, sem reserva alguma seus fins ilocucionários, pode ser chamada de ação comunicativa.
São ações em que os participantes, através de atos de fala, só perseguem fins ilocucionários. Se ao menos um dos participantes na comunicação pretender, através de seus atos de fala, realizar fins perlocucionários, então se trata de uma ação estratégica mediada linguisticamente. O uso da linguagem busca alcançar comunicativamente um consenso sob uma base racional. Este acordo não pode ser forçado por um influxo externo ou mediante o uso da violência, pois não se trataria de um acordo e sim de uma imposição.
Partindo do uso comunicativo da linguagem, livre de coerção e voltado para o consenso, Habermas elabora o princípio D (de discurso) da ética: "Toda norma válida deveria poder encontrar o assentimento de todos os afetados se estes participassem em um discurso prático". Resta acrescentar que Habermas entende por discurso prático o diálogo voltado para o consenso e livre de violência entre todos os sujeitos capazes de argumentação.
Falsos consensos
É comum em nossa sociedade que os que têm mais dinheiro e poder imponham sua vontade e interesses aos outros, ou que se fabriquem falsos consensos através da manipulação de informações de forma unilateral. Os grandes meios de comunicação são um bom exemplo disso, pois difundem certas visões de mundo sem permitir que sejam submetidas à crítica. Grande parte do público acaba acatando tais opiniões como se fossem verdades indiscutíveis.
A saída apontada por Habermas seria a democratização cada vez maior das formas de tomada de decisão na sociedade e a substituição de formas ideológicas de formação de consenso por formas comunicativas, orientadas pelo critério do melhor argumento e não de quem tem mais poder e dinheiro, como é hoje.
Se problemas como o aquecimento global e a fome afetam, em maior ou menor grau, todos os habitantes do planeta, por que só meia dúzia de chefes de Estado ou de banqueiros devem decidir sobre eles? Por que imaginar que eles estariam mais habilitados para encontrar soluções, se são eles próprios os grandes causadores dos problemas?
O a priori da comunidade de comunicação
Na mesma linha de raciocínio, Karl-Otto Apel postula a necessidade de se fundamentar uma ética capaz de responder às grandes crises de nosso tempo. Tal fundamento Apel encontrará igualmente na linguagem. A linguagem possui regras pragmáticas que são transcendentais, no sentido de não poderem ser negadas.
Não é possível, por exemplo, negar a situação de argumentação, pois ao tentar fazer isso acabamos por provar justamente o contrário. Se alguém disser "eu não acredito que seja impossível não argumentar, porque...", ele já esta argumentando, caindo assim no que Apel chama de contradição performativa. Portanto, todo aquele que participa de uma comunidade real de argumentação pressupõe determinadas regras a priori que orientam a discussão dos participantes.
Se alguém mentir o tempo todo, por exemplo, ele não vai conseguir se comunicar. Para que a mentira seja possível há o pressuposto de que a linguagem está voltada para o entendimento e não para o engano. Dessa forma, todo aquele que argumenta pressupõe uma comunidade ideal de comunicação de modo a priori, que é antecipada contrafaticamente em nossas interações cotidianas. Disso, Apel deriva duas consequências éticas:
1) A comunidade real (onde predomina a ação estratégica) deve buscar aproximar-se da comunidade ideal de comunicação, ou seja, da tomada de decisões através de consensos construídos argumentativamente, livres de coerção e violência.
2) Deve-se assegurar a sobrevivência da humanidade, enquanto comunidade real, como condição de possibilidade para a realização da comunidade ideal de comunicação.
Apesar das divergências tornadas públicas em várias publicações e debates, Apel e Habermas têm mais pontos em comum do que diferenças. Ambos estão empenhados em apresentar soluções para problemas contemporâneos, da clonagem de seres humanos ao fortalecimento de instituições internacionais mais democráticas e plurais. Além disso, têm também em comum o fato de aplicarem a si próprios os princípios que preconizam, submetendo seus pontos de vista à crítica e à autocorreção.
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