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Donos do Poder, Os - Conheça obra e autor fundamentais para compreender o Brasil

Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Nas páginas finais de "Os Donos do Poder", Raymundo Faoro traçou um retrato severo, sem retoques do regime político brasileiro, do Estado, dos eleitores e da elite política:

"O poder - a soberania nominalmente popular - tem donos que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário. (...). E o povo, (...) que quer ele? Este oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas (...). A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou."

Este retrato permanece atual, demonstrando que uma das principais teses do livro: "a persistência secular da estrutura patrimonial" do Estado brasileiro mantém-se, em sua essência, inalterado. Se isso é suficiente para evidenciar o caráter clássico de "Os Donos do Poder", por outro lado convém assinalar que o livro teve um percurso estranho, pensando em termos de um clássico brasileiro que transita pela história, política e sociologia.

Passando em branco
"Raízes do Brasil" (1936) ou "Casa Grande e Senzala" (1933), de Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre, respectivamente, acabaram tendo boa recepção logo após suas publicações.

O livro de Faoro acabou quase passando em branco quando foi publicado, em 1958, ano de enorme euforia econômica (em pleno quinquênio juscelinista) e da conquista da primeira Copa do Mundo de futebol, disputada na Suécia.

Naqueles anos dourados pouco se falava em matéria de permanência histórica, da inexistência da mudança política, um dos pilares do livro, mas a tônica era a modernização, a reforma e, para alguns, a revolução.

O mundo da época
No ano seguinte os guerrilheiros do Movimento 26 de julho tomariam o poder em Cuba; na Argélia, a guerra de libertação tinha levado à queda da 4ª. República francesa - metrópole colonial - e a ascensão à presidência da República do general Charles de Gaulle.

No Vietnã, os franceses tinham sido derrotados e os Estados Unidos estavam enviando conselheiros militares - e posteriormente soldados, milhares de soldados. No ano anterior, 1957, a URSS tinha lançado ao espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik.

Naquela conjuntura histórica se falava muito em Estado e muito pouco em sociedade civil. Ou seja: ao espaço da cidadania, da liberdade e da democracia, a sociedade civil, era dada importância menor frente ao papel preponderante do Estado como elemento considerado essencial para o desenvolvimento econômico, tanto para a direita, quanto para o centro e a esquerda política.

Golpismo no ar
A radicalização política nos anos 1961-1964 acabou encontrando Faoro no Rio de Janeiro. O jurista gaúcho vivia na então capital federal desde 1951. Faoro pode constatar que a sua "leitura" do Brasil não encontrava eco. A democracia era considerada por parte dos atores políticos como um obstáculo para a tomada do poder.

Havia um clima de golpismo no ar. Isto explica porque o historiador Décio Freitas acabou encontrando o jurista na passeata que a 2 de abril de 1964 "comemorou" nas ruas do Rio de Janeiro a queda de João Goulart.

Os longos anos de regime militar (1964-1985) fizeram com que muitos atores políticos repensassem a importância da democracia e o tipo de Estado que foi construído no Brasil, especialmente a partir de 1889, quando da proclamação da República.

Intelectual e agente político
Foi nesse cenário que ressurgiu o interesse pelo livro. A segunda edição saiu a lume em 1975, 18 anos depois da primeira. Como sinal dos tempos, em 1976 saiu a terceira, em 1977 a quarta e daí para diante vários edições foram sendo publicadas e o livro acabou se transformando em um clássico brasileiro.

Sem dissociar o papel de intelectual com o de agente político, Faoro teve participação importante no processo de distensão política, ocorrido durante o período presidencial do general Ernesto Geisel (1974-1979).

Do alto da presidência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre os anos 1977-1979, foi um ativo defensor das liberdades (de opinião, manifestação e organização), crítico da tortura, que tinha se disseminado nos porões do regime militar e participante de encontros que visavam construir pontes políticas para a redemocratização.