Império Romano - Fim da República - Da crise ao Principado
Gilberto Salomão
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Os séculos 2 e 1 a.C. são tidos como o período de crise da República romana. O modelo político centrado na supremacia do Senado, enquanto instrumento de poder da elite patrícia, sofreu uma forte contestação, fruto da ação de diferentes setores da sociedade: uma camada de comerciantes extremamente enriquecidos com a expansão de Roma; a massa de plebeus miseráveis e descontentes; e o enorme contingente de escravos. Além disso, não podem ser descartadas as pretensões políticas dos generais, fortalecidos pela crescente importância do Exército na vida romana.
Assim, esses dois séculos foram marcados por uma imensa instabilidade política, na qual revoltas de escravos, guerras civis, ditaduras, tentativas de golpe e governos formalmente ilegais sucederam-se. As ditaduras de Mário e Sila foram uma mostra clara da incapacidade do Senado e das instituições formais da República em fazer frente às novas forças sociais em conflito - embora a ditadura fosse uma magistratura legal, prevista nas leis romanas como um instrumento excepcional de governo.
Em meio a essa crise, formou-se uma aliança envolvendo Crasso e Pompeu, dois generais que se fizeram eleger cônsules em 62 a.C. Paralelamente, entretanto, crescia a fama de Caio Júlio, também general, que havia acabado de conquistar a Gália, detentor de um prestígio cada vez mais amplo junto à plebe romana - e, notadamente, junto ao Exército.
Líder do chamado partido popular - uma entidade informal, mas que congregava os setores não ligados à velha aristocracia patrícia -, Júlio era sobrinho e herdeiro de Mário, ex-ditador, detentor de imensa fortuna e respeitado pelo Exército. Caio Júlio somou a esses elementos uma notável capacidade militar, responsável por inúmeros triunfos, tão caros à mentalidade expansionista romana.
Primeiro Triunvirato
Ante o crescente prestígio de Júlio, Crasso e Pompeu viram-se obrigados a aceitar sua presença no poder, criando uma fórmula chamada de Triunvirato, ilegal e não prevista na composição institucional da República.
A morte de Crasso, em 53 a.C., fez com que a oposição entre Pompeu, direto representante dos interesses da aristocracia patrícia, e Júlio ficasse explícita. O fortalecimento militar de Júlio, que acabara de derrotar definitivamente os gauleses, fez com que o Senado passasse a temer suas ambições políticas. Por isso, numa tentativa de detê-lo, em 49 a.C. Pompeu foi nomeado cônsul único pelo Senado. Ao mesmo tempo, chamou Júlio de volta a Roma, numa clara manobra para esvaziar seu poder militar.
Pronunciando a famosa frase Alea jacta est ("A sorte está lançada"), Caio Júlio entrou em Roma à frente de seus exércitos, configurando um inegável golpe de Estado. Aclamado pela população e pelas tropas que deveriam defender Roma, Júlio se impôs ao Senado. Abalado pelo prestígio popular de Júlio, Pompeu fugiu para a Grécia, onde foi derrotado em 48 a.C.
O amplo prestígio popular e militar de Júlio obrigou o Senado a se curvar diante dele. A concessão do título de César, que lhe dava formalmente o poder ditatorial, foi a prova mais concreta desse recuo senatorial.
Entretanto, tal recuo não se manifestou de modo concreto. Os quatro anos da ditadura de Júlio César foram marcados por crescentes atritos com o Senado. Tais atritos nasciam de sua origem pobre, ainda que aristocrática, e, principalmente, da percepção que os senadores tinham do real projeto político de César: instalar um regime monárquico, fortemente apoiado no Exército; regime no qual, inevitavelmente, o Senado teria sua importância restringida.
Paralelamente, César buscava ampliar sua base de apoio junto ao Exército, cercando-se cada vez mais de seus generais, principalmente Marco Antônio, e afastando gradativamente o Senado das decisões. Também as conquistas militares, como as da Hispânia e do Egito, aumentaram ainda mais sua popularidade, ampliando a necessidade de o Senado conter a ameaça representada pelo herdeiro de Mário. Isso foi obtido por meio do assassinato de Júlio César, perpetrado por um grupo de senadores ligados a Pompeu e, também, de senadores do próprio círculo íntimo de César.
Segundo Triunvirato
Entretanto, a reação militar e popular que se seguiu ao assassinato de César deteve o projeto senatorial de restaurar o poder. Ao contrário do que pretendia o Senado, a morte do ditador teve o efeito de motivar a unidade do Exército e de transformá-lo em um real elemento de poder.
Assim, na prática, foi o Exército que assumiu o controle de Roma, o que pode ser facilmente observado pela composição do governo que ascendeu logo a seguir, composto por Otávio, sobrinho-neto e herdeiro de Júlio César, Lépido, antigo comandante das forças de cavalaria de César, e Marco Antônio, o general mais hábil do ditador assassinado. Foram eles que, em 43 a.C., formaram o Segundo Triunvirato.
A ascensão do Segundo Triunvirato ao poder sintetiza uma realidade: a República estava definitivamente superada, mesmo que ainda existisse formalmente. O título de cônsul, dado a Antônio e Otávio, era apenas uma tentativa de amparar legalmente um poder que, de fato, se centrava no Exército - e não mais nas instituições republicanas.
Em 33 a.C, Lépido foi afastado do poder e os domínios romanos foram divididos entre Antônio, que controlava as províncias orientais do Império, e Otávio, governando a Itália e as províncias ocidentais. Essa divisão do poder era apenas um prenúncio do conflito entre ambos.
O conflito envolveu o Egito, então governado por Cleópatra, antiga amante e aliada de César (tendo inclusive gerado um filho deste). Foi com ela que Marco Antônio buscou aliar-se contra Otávio. A última guerra civil da República terminou em 31 a.C., com os suicídios de Antônio e Cleópatra, após a grande derrota de Ácio, na Grécia, e a vitória definitiva de Otávio, que transformou o Egito em sua província pessoal.
O Principado
Forjava-se assim um poder pessoal que passava muito distante da autoridade formal do Senado. O uso da riqueza egípcia por Otávio permitiu-lhe financiar um exército poderoso, diretamente submetido a ele. Ao mesmo tempo, parte da colheita egípcia foi seguidamente utilizada para a distribuição de trigo à plebe romana, o que concedeu a Otávio um amplo apoio popular.
Diante de tal poder, o Senado se viu obrigado à submissão, concedendo a Otávio uma série de títulos. O primeiro deles foi o de Princeps Senatus, ou Primeiro Senador, o que lhe permitia presidir o Senado. A simples concessão desse título já representa uma clara inversão na própria estrutura da República.
A existência de um poder acima do Senado significava um passo decisivo no caminho da centralização do poder. Esse período, inclusive, é conhecido como Principado, dando a entender que já não é exatamente a forma republicana de governo que tem o poder em Roma.
Os demais títulos recebidos por Otávio apenas confirmaram essa tendência: Imperator, ou Comandante-em-chefe do Exército; Tribuno da Plebe, que lhe dava o direito de falar em nome do povo nas reuniões do Senado; e Pontífice Máximo, que lhe concedia a chefia da religião oficial. Outro título, o de Procônsul, dava a ele a autoridade sobre as províncias do Império.
O último e mais importante título de Otávio foi o de Augusto. Tal título não tem exatamente uma conotação política, mas, sim, religiosa. Seu significado, o de um soberano que se assemelha aos deuses, dava-lhe um poder acima do poder meramente terreno. Significava um poder absoluto, vitalício, bem como o direito de escolher seu sucessor. Esse título, por seu caráter formal, consolida a tendência que já se verificava: a do retorno de Roma à ordem monárquica, pondo fim, definitivamente, à República - e dando início ao Alto Império.