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Menino de Engenho - José Lins do Rego e o rito iniciático nordestino

Oscar D'Ambrosio, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Escritor paraibano, incluído nos manuais de literatura como um dos principais representantes do regionalismo nordestino, José Lins do Rego (1901 - 1957) considerou que a primeira fase de sua produção, que chamou de "ciclo da cana-de-açúcar", incluía "Menino de Engenho", "Doidinho", "Banguê", "Usina" e "Fogo Morto".

Publicado em 1932 e livro de estreia do autor, "Menino de Engenho" tem como narrador-protagonista Carlos Melo. Chamado de Carlinhos pela família, ele conta a sua infância no engenho Santa Rosa, para onde vai após um começo de narrativa trágico: quando tinha quatro anos, o pai assassina a mãe e é internado num hospício.

Propriedade do avô materno, o Coronel José Paulino, o engenho Santa Rosa é onde Carlinhos vai conhecer o mundo. Trata-se de um local marcado pelas dualidades, como o bom comportamento do protagonista com os adultos e a peraltice com as crianças. Isso sem contar sua simpatia pelos humildes empregados. Por isso, chegou a pedir ao cangaceiro Antônio Silvino que o levasse com ele para lutar pelos mais pobres.


 

Universo dos engenhos de açúcar

O romance também relata o amadurecimento emocional de Carlinhos. Apaixona-se primeiro por duas primas, Lili, que falece ainda criança, e Maria Clara, que morava em Recife e foi passar apenas alguns dias de férias no engenho. Com o casamento da tia Maria, o menino passou a ser cuidado pela tia Sinhazinha, bem mais séria e distante.

A repressão o levou a um estado maior de libertinagem, principalmente sexual. Quando contraiu uma doença venérea aos 12 anos, com Zefá Cajá, a família decidiu enviá-lo a um colégio interno, encerrando o livro, marcado pelo universo sócio-econômico dos engenhos de açúcar, como o misticismo, a religiosidade popular, o cangaço e a atmosfera de decadência de um império econômico.

Muito mais do que uma narrativa estruturalmente delineada, a obra apresenta uma reunião de flashes do passado do próprio autor. Há um notório clima de saudosismo na forma de narrar os episódios. E isso o distancia, por exemplo, de textos de maior crítica social, como "São Bernardo" ou "Vidas Secas", de Graciliano Ramos.


 

Canto de saudosismo

Criança da cidade, asmática e mimada pelo histórico familiar complicado, Carlinhos passa boa parte do tempo sozinho, caçando passarinhos e aprendendo a se relacionar com o ambiente rural, que vai descobrindo lentamente. Nessa monotonia, o relato de uma enchente, com suas consequências trágicas, representa, sob um prisma infantil e ingênuo, algo que introduz novidades no cotidiano.

O romance pode ser entendido como um canto de saudosismo aos engenhos, caracterizados pelo método de produção de açúcar de cana de forma artesanal. Os engenhos foram depois substituídos pelas usinas, onde o sistema industrial predomina.

Com "Menino de Engenho", José Lins do Rego faz uma ode a uma realidade que já na sua época não existia mais. Com o avanço da civilização industrial, deixam de acontecer as brincadeiras conjuntas entre filhos de proprietários e empregados, as conversas com negras nas cozinhas, as histórias fantásticas e folclóricas e os feitos políticos regados a negociações escusas e balas. Começa a nascer um novo Brasil, no qual as narrativas de Carlinhos são apenas um rito iniciático nordestino permeado de um tom memorialista romântico.

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