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Ativistas dão dicas de como se preparar para ser um cidadão engajado nas causas sociais

Vinicius Zanotti, formado em comunicação social e ativista do projeto Escola de Bambu - Luciana Quierati/UOL
Vinicius Zanotti, formado em comunicação social e ativista do projeto Escola de Bambu Imagem: Luciana Quierati/UOL

Luciana Quierati

Do UOL, em São Paulo

25/06/2012 06h00

Das 50 mil pessoas esperadas nos dez dias da Rio+20, pelo menos 5 mil eram jovens que ficariam acampados em tendas, segundo informou a organização do evento. Trata-se de um público de pouca idade que já milita em favor da causa ambiental, a exemplo de grandes nomes do ativismo brasileiro, como Roberto Smeraldi e Mário Mantovani, criadores da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e da Fundação SOS Mata Atlântica. Mas como defender uma causa? Como se preparar para isso? O que estudar? Como ser um ativista dentro da carreira profissional escolhida? São questões que os próprios Smeraldi e Mantovani, além do psicoterapeuta Leo Fraiman, se propuseram a responder em entrevista a UOL Educação. Outros dois jovens ativistas, Vinícius Zanotti, do projeto Escola de Bambu, e William Rodriguez Schepis, do Instituto EcoFaxina, contam como abraçaram suas causas.

Ativismo a partir da graduação

O psicoterapeuta Leo Fraiman elenca três cursos de graduação que podem servir de ponto de partida para quem deseja muito desempenhar papel de ativista na sociedade e ainda não se decidiu por uma carreira específica. “São cursos que, notadamente, envolvem estudos e trabalhos para o terceiro setor. Uma formação que já faz a pessoa ter um ‘pé’ em atividades solidárias”, explica Fraiman.

Um deles é o curso de economia doméstica, oferecido por pelo menos cinco universidades brasileiras, entre elas, a UFV (Universidade Federa de Viçosa) e a UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Esta, na página na internet dedicada ao curso, define o economista doméstico como o “profissional habilitado para desenvolver ações que promovam o indivíduo, a família e a comunidade em seu contexto social, econômico, cultural e político no que tange a qualidade de vida”. Durante os quatro anos do curso – em algumas instituições, em período integral -, o aluno aprenderá técnicas para melhorar a qualidade de vida do ser humano.

Outra faculdade bastante ligada ao terceiro setor é a de administração pública. A Unesp (Universidade Estadual Paulista) é uma das que oferece o curso e, ao definir a carreira do administrador público, explica bem porque ela pode ser tida como ponto de partida para o ativismo: “a administração pública de hoje não é mais aquela de escritório fechado, de carimbos e papéis na mesa. Agora esse profissional precisa ter conhecimento sobre todas as áreas do processo, que vai desde compras, passando pela gestão do dinheiro previsto no orçamento, até como atender famílias que perderam tudo após uma forte chuva. Não é fácil, mas é desafiador”.

Por fim, o curso por excelência: serviço social. Ele forma o assistente social, que propõe políticas públicas pelo acesso da população aos serviços a que tem direito e lida com crianças em situação de risco, moradores de rua, adultos desempregados, idosos em busca de aposentadoria, pessoas hospitalizadas ou envolvidas com drogas, além de uma infinidade de situações. A grade curricular normalmente é composta por disciplinas como trabalho em comunidade, direito e legislação social, introdução às práticas sociais e história da sociedade brasileira, presentes, por exemplo, no curso oferecido pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba).

Ativismo ao longo da vida

Para o psicoterapeuta Leo Fraiman, “todos os seres humanos comprometidos com o verdadeiro sentido de sua profissão são, potencialmente, ativistas”. Roberto Smeraldi é um exemplo. Ele é jornalista e, por causa de sua militância em prol do meio ambiente, foi escolhido para presidir o Comitê Internacional da Sociedade Civil para a Rio92 (ou Eco92). Durante dois anos, de 1990 ao ano do evento, ele viajou o mundo para conhecer as diversas realidades relacionadas ao tema.

Essa situação é a mais natural dentro do mundo do ativismo. Mário Mantovani diz que “qualquer pessoa pode fazer história por causas comuns em suas áreas profissionais”, e cita, por exemplo, o ator Marcos Palmeira, que, além de sua carreira artística – pela qual é conhecido -, se dedica à produção de alimentos orgânicos, sendo sua fazendo referência em sustentabilidade no País, e produz documentários em defesa da causa indígena.

Um economista, por exemplo, pode ser um ativista a favor de um mundo com menos desigualdades financeiras. Fraiman dá o exemplo do bengalês Muhammad Yunus, que se formou em economia em Bangladesh e criou o conceito de microcrédito para populações sem acesso a qualquer tipo de crédito. “Com seus conhecimentos em economia e movido por uma causa, Yunus criou o primeiro banco para pobres e isso lhe rendeu um prêmio Nobel da Paz”, observa Fraiman.

O psicoterapeuta fornece outros exemplos (ver quadro), como o de ser um engenheiro e projetar soluções ecológicas. Ou um chefe de cozinha que cria receitas para evitar o desperdício de alimentos. Resumindo, segundo Mantovani, “ser ativista vai além daquilo que se aprende em qualquer faculdade. É ser bom, ser o melhor naquilo que se faz”.

Ativismo ontem e hoje

Na época em que Roberto Smeraldi começou a se envolver com a causa ambiental, na década de 1980, o ativista atuava quase que exclusivamente no terceiro setor. Era um “ativista puro”, como ele define, que se envolvia com (ou mesmo criava) organizações não governamentais, ia a campo, muitas vezes tirava do próprio bolso. Não que isso não aconteça hoje em dia, mas esse era basicamente o único caminho, o convencional. A diferença na comparação com a realidade atual é que foi aberto espaço para o ativista no segundo setor.

“As empresas começaram a incorporar a ideia de que os interesses difusos [coletivos] podem estar ligados aos interesses delas, e elas precisam muito de profissionais que saibam como fazer”, diz Smeraldi. Ele vê o ativista de hoje como um empreendedor social, com capacidade de implementar projetos que depois alimentam o mundo empresarial. “Antigamente, não havia essa migração para o segundo setor como que por osmose. Hoje isso é corriqueiro”, diz o líder.

Ele lamenta, no entanto e até certo ponto, a perda acarretada com isso ao terceiro setor, que forma o cidadão e depois o perde para o interesse privado.

Escolhendo uma causa

Apesar de acreditar que os adolescentes e jovens de hoje não precisam de ajuda para escolher uma causa a abraçar, por serem “mestres” quando o assunto é pesquisar, se relacionar e se envolver, o ambientalista Roberto Smeraldi dá alguns conselhos. “Não é bater na porta e dizer ‘eu quero mudar o mundo, o que tem para eu fazer’. Não vai ser levado a sério”, diz.

É preciso, antes, verificar que causa mais agrada e quais capacidades se têm para poder contribuir com ela. Também é necessário conhecer bem as instituições para as quais se deseja trabalhar. “Saber o que ela faz, acompanhá-la no Twitter, ir a uma palestra do presidente”, enumera Smeraldi, e só então, se fazer a colocação: ‘quem sabe eu possa me encaixar nisso?’.

Se o aspirante a ativista se julga despreparado, a sugestão é procurar cursos fora do ambiente acadêmico que possam esclarecer dúvidas, ensinar a criar estratégias e a organizar campanhas. Um deles é o “Ativismo e Mobilização para a Sustentabilidade”, criado por um grupo de profissionais diversos (jornalistas, designer, advogado, engenheiros, contador, entre outros) e que conta com a colaboração de ativistas com bastante bagagem para a realização de palestras.

Descoberta na faculdade

  • EcoFaxina

    William Rodriguez Schepis (dir.) se tornou, como ele mesmo se define, um ativista “catador de lixo”

Ao identificar, já no primeiro ano do curso de Biologia Marinha, a poluição nas águas da Baixada Santista, William Rodriguez Schepis não teve dúvidas: colocou o desejo de estudar os corais e novas espécies em segundo plano e se tornou um ativista “catador de lixo”, como ele mesmo se denomina no perfil do Facebook. “Quis dar voz ao problema e procurar soluções para diminuir ao máximo o descarte de resíduos sólidos no estuário de Santos”, conta o jovem que, no quarto semestre do curso, aos 31 anos, fundou o Instituto EcoFaxina - Limpeza, Monitoramento e Educação Ambiental.

Ele chegou a iniciar duas faculdades em São Paulo antes da biologia: comércio exterior e, depois, lazer e indústria do entretenimento. Mas foi mesmo a terceira opção que definiu sua carreira profissional, ambiental e social. Hoje, ele congrega estudantes e cidadãos das áreas afetadas em campanhas e trabalhos de retirada de garrafas pet, sacolas e vários outros produtos dos manguezais.

“O instituto é decorrente de eu gostar do mar e ele estar sendo poluído ao extremo. Quem mora aqui em Santos desconhece os impactos da poluição marinha sobre as tartarugas, peixes, mamíferos marinhos e toda a vida no planeta, e nós já estamos pagando o preço ingerindo pescados e frutos do mar contaminados por metais pesados”, diz Schepis.

Antes do EcoFaxina, o biólogo-ativista chegou a colaborar com as causas ambientais. Em 2001, tornou-se associado do Greenpeace, passando a contribuir mensalmente com uma quantia em dinheiro. Mas, para ele, “pagar é fácil. Fazer, não”. Ele optou pela parte mais difícil. E garante estar bem satisfeito.

Inserção no movimento estudantil

Em visita feita em 2010 à Libéria, devastada durante 15 anos por uma guerra que terminou em 2003, o jornalista Vinícius Zanotti conheceu uma escola feita com bambus por um prestador de serviços da ONU, que paga os professores com dinheiro do próprio bolso. Decidiu fazer um documentário sobre a realidade local e iniciou o projeto Escola de Bambu, uma campanha de arrecadação de fundos para erguer uma escola de alvenaria para as cerca de 300 crianças atendidas.

A partir da formação de comunicador social, ele prepara material, divulga a campanha na imprensa e consegue congregar cada vez mais adeptos – só no Facebook, eles são mais de 5,2 mil. Mas foi outro tipo de formação obtida na faculdade que ele julga ter sido a mais motivadora para sua decisão de ajudar o povo africano.

Logo no primeiro ano do curso na PUC-Campinas, Zanotti entrou para o Diretório Acadêmico de Comunicação – nele permanecendo os quatro anos da faculdade. Alavancou campanha para a obtenção da outorga de uma rádio comunitária, protestou por melhorias no meio acadêmico, pela redução das mensalidades e acabou até sendo advertido e suspenso por suas iniciativas. Essa vivência, porém, foi a mais gratificante para ele.

“É no movimento estudantil que você faz o primeiro discurso, que você contesta, adquire conhecimento político e visão humanística”, argumenta, não titubeando em afirmar que se trata de uma experiência “muito mais fundamental do que qualquer curso em si”.