Novos indícios sobre as raízes do inglês
Os povos da Índia, do Irã e da Europa falam uma babel de idiomas, mas a maioria deles – incluindo o inglês e o português – é descendente de uma antiga língua conhecida como protoindo-europeu. Os especialistas debatem há dois séculos a respeito da identidade e da origem dos falantes desse idioma original, mas uma resolução surpreendente para essa antiga questão pode ter finalmente chegado.
Muitas origens foram propostas para o local de nascimento dos idiomas indo-europeus, mas apenas dois candidatos estão realmente sendo discutidos no momento, um dos quais presume a transmissão pela espada, enquanto o outro imagina a disseminação pelo arado.
Os historiadores linguísticos são capazes de reconstruir muitas palavras do protoindo-europeu por meio de seus descendentes. Por exemplo, provavelmente havia a palavra "kwekwlos", que significava roda, ancestral do termo "kuklos" em grego clássico, da palavra "kakra" no índico antigo – e como o K se transforma em H nas línguas germânicas – de "hweohl" em inglês antigo, ancestral da palavra "wheel" no inglês moderno.
A partir do vocabulário reconstruído, os falantes do protoindo-europeu parecem ter vivido em um ambiente pastoral, familiarizado com ovelhas e veículos com rodas.
Os arqueólogos descobriram que os veículos com rodas surgiram em torno do ano 4.000 a.C., o que sugere que os falantes do protoindo-europeu floresceram há cerca de 6.500 anos nas estepes dos Mares Negro e Cáspio. A teoria das estepes, favorecida por muitos linguistas, sugere que os falantes do protoindo-europeu levaram seu idioma para a Europa, a Índia e a China ocidental, seja por meio da conquista, ou da eficiência de sua economia pastoral.
Essa teoria foi questionada por Colin Renfrew, arqueólogo de Cambridge que propôs em 1987 que os idiomas haviam sido espalhados pelos agricultores neolíticos que trouxeram a agricultura para a Europa. De acordo com esse cenário, o local de nascimento do protoindo-europeu seria a Anatólia, a atual Turquia, e seus falantes teriam começado a migrar há cerca de 8 mil a 9 mil anos.
A proposta de Renfrew faz bastante sentido, já que a expansão das populações agrícolas é um mecanismo reconhecido de distribuição linguística, e que a migração dos agricultores neolíticos está bem documentada, do ponto de vista arqueológico. Os linguistas discordaram, afirmando que o protoindo-europeu não poderia ter se fragmentado tão cedo, já que a roda não havia sido inventada há 8 mil anos, e que os idiomas indo-europeus compartilham inúmeras palavras inter-relacionadas para "roda", o que significa que elas devem ter a mesma origem. Entretanto, Renfrew argumenta que muito depois de sua dispersão, todos esses idiomas podem ter emprestado a palavra para "roda" no momento da invenção do objeto em si.
O conflito entre as teorias da estepe e a da Anatólia para a origem do indo-europeu persistiu até 2003. Naquele ano, os biólogos neozelandeses, Russell Gray e Quentin Atkinson, da Universidade de Auckland, entraram para a disputa com um impressionante método para a construção de árvores datáveis para determinar a genealogia linguística. Os historiadores linguísticos haviam desenhado árvores que mostravam como o protoindo-europeu havia se dividido nos demais idiomas com base em conjuntos de palavras conhecidas como cognatos.
A palavra para "água" é "water" em inglês, "wasser" em alemão, "vatten" em sueco e "nero" em grego modero. Os termos similares no inglês, alemão e sueco são cognatos, derivados da palavra "wodr", do protoindo-europeu, mas o termo grego "nero" não compartilha a mesma origem.
Os linguistas esperavam que por meio da comparação dos idiomas através do número de cognatos compartilhados seria possível datar as ramificações da árvore genealógica do protoindo-europeu. Contudo, depois de descobrirem que a velocidade das mudanças variava drasticamente entre um ramo e o outro, concluíram que a datação seria impossível.
Gray e Atkinson perceberam que os métodos estatísticos desenvolvidos para os biólogos para traçar a evolução dos genes e das proteínas davam conta de muitos dos problemas da reconstrução da origem dos idiomas. Eles representaram cada idioma indo-europeu por meio de uma série de 1s e 0s, caso incluíssem os cognados de uma lista de palavras conhecidas por mudarem muito pouco. Então, computaram as árvores genealógicas mais prováveis e que dariam origem aos dados observados.
A árvore mais provável para os idiomas indo-europeus tinha a mesma forma da que havia sido construída pelos historiadores linguísticos. Mas seus ramos mais recentes poderiam ser datados por eventos históricos, como a divisão entre o latim e o romeno, quando as tropas romanas deixaram o sul do Danúbio em 270 d.C.
E uma vez que os ramos mais recentes tinham data, era possível prever sua origem comum. Eles calcularam que o protoindo-europeu era falado entre 7.800 e 9.800 anos atrás.
Essa conclusão fortaleceu consideravelmente a teoria da Anatólia. Gray e Atkinson, ao lado de Remco Bouckaert e outros colegas avançaram ainda mais em 2012, quando aplicaram à distribuição do protoindo-europeu um modelo estatístico desenvolvido para acompanhar a transmissão geográfica dos vírus. Os resultados "deram uma base decisiva à teoria da Anatólia, em detrimento da teoria da estepe", concluíram os autores em um artigo publicado pela revista Science.
Tudo indicava que a ajuda dos biólogos havia levado a teoria criada pelos arqueólogos a triunfar sobre a hipótese da estepe, desenvolvida pelos linguistas. Contudo, duas descobertas divulgadas este mês inverteram drasticamente as evidências em favor da teoria da estepe.
Embora alguns linguistas não concordassem com os dados de Gray e Atkinson, outros perceberam que a abordagem computacional tinha muito a oferecer. Andrew Garrett, linguista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, fez uma parceria com Will Chang, linguista com formação em técnicas computacionais. Eles notaram que no artigo publicado em 2012 por Bouckaert e outros, em oito dos casos em que um idioma ancestral é visto como o ancestral de um idioma moderno, os idiomas modernos são exibidos como descendentes de um parente hipotético desse idioma ancestral.
Por exemplo, as línguas românicas foram indicadas pelo estudo como originárias de uma prima do latim, não do próprio latim, e o inglês como tendo origem em um primo do inglês antigo.
Garrett e Chang acreditam que seria mais realista que as árvores adotassem ancestrais linguísticos mais aceitos pela comunidade científica, mesmo que isso significasse ignorar alguns dos cálculos de probabilidade.
Quando a árvore de Bouckaert foi obrigada a aceitar as três origens linguísticas comprovadas, Garrett, Chang e seus colegas publicaram na revista Language que a idade da árvore diminuiu consideravelmente para cerca de 6.500 anos, de acordo com a hipótese da estepe para a origem do indo-europeu.
Outro indício forte em favor da teoria da estepe veio do maior estudo de DNA antigo já realizado na Europa, com base na análise de 69 pessoas que viveram entre 3.000 e 8.000 anos atrás. Características do DNA analisado mostram evidências de que membros da cultura yamnaya migraram das estepes para a atual Alemanha há 4.500 anos. Essa foi a primeira cultura a desenvolver uma economia pastoral baseada no uso de carros, ovelhas e cavalos. A migração foi tão grande que três quartos das pessoas analisadas na Alemanha tinham DNA yamnaya, de acordo com a equipe liderada por Wolfgang Haak, da Universidade de Adelaide, na Austrália, e David Reich da Faculdade de Medicina de Harvard. O estudo foi publicado este mês na revista bioRxiv.
Se uma parcela tão grande da população foi substituída, o idioma dos recém-chegados provavelmente prevaleceu, e a migração torna ainda mais plausível a expansão dos falantes do indo-europeu a partir das estepes. "Esses resultados apoiam a teoria da estepe para pelo menos uma parte dos idiomas indo-europeus falados na Europa", afirmam os autores.
Os três ramos mais antigos da árvore indo-europeia, de acordo com o historiador linguístico Don Ringe, da Universidade da Pensilvânia, são em primeiro lugar o hitita, que era falado na antiga Anatólia; em segundo o tocariano, um grupo linguístico do oeste chinês; e em terceiro os grupos itálicos e celtas, na Europa. A evidência arqueológica comprova a migração saída das estepes justamente nessas direções e nessa ordem, de acordo com Ringe e David Anthony, arqueólogo do Hartwick College, em um estudo publicado na revista Annual Review of Linguistics.
Eles também destacam que o protoindo-europeu emprestou palavras do protourálico, o provável ancestral de idiomas como o húngaro, o finlandês e o estoniano, além dos idiomas do Cáucaso. A origem nas estepes, não na Anatólia, tornaria esses empréstimos mais prováveis, do ponto de vista geográfico. As evidências de que os idiomas indo-europeus tiveram origem nas estepes "são tão fortes que os argumentos em favor de outras hipóteses precisam ser reexaminados", afirmaram Ringe e Anthony.
Contudo, o caso ainda não foi concluídos. As duas novas evidências – a correção da árvore de Bouckaert feita por Garrett e os dados do DNA antigo – podem não ser tão conclusivas quanto parecem.
Renfrew considera "muito provável" que a migração das estepes até a Europa registrada pelo DNA antigo seja um fenômeno secundário. Em outras palavras, o indo-europeu pode ter partido da Anatólia para as estepes e dali para a Europa.
Além disso, os biólogos que criaram as árvores linguísticas a partir de probabilidades estatísticas não acreditam que a objeção da equipe de Garrett justifique que as árvores sejam restritas aos modelos linguísticos atualmente aceitos. "O modelo de Garrett e Chang exagera ao forçar que todos os idiomas antigos compartilhem um ancestral direto – os dados não vão nessa direção", afirmou Atkinson, referindo-se a seus novos testes.
Uma das razões é que os idiomas escritos tendem a se fossilizar, afirmou Paul Heggarty, linguista do Instituto Max Planck de Biologia Evolutiva: as línguas vivas provavelmente descendem de um idioma falado que diverge da versão escrita.
"As coisas que Garrett presume em seu estudo não são tão simples quanto ele faz parecer", afirmou Renfrew.
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