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Governo prioriza expansão privada por meio do Fies, critica reitor da UFRJ

Roberto Leher será o novo reitor da UFRJ - Divulgação
Roberto Leher será o novo reitor da UFRJ Imagem: Divulgação

Maria Luisa de Melo

Do UOL, no Rio de Janeiro

19/05/2015 10h26Atualizada em 04/06/2015 13h32

Com pagamentos atrasados de contas de luz, água, e de empresas terceirizadas que prestam serviço de limpeza e segurança, a Universidade Federal do Rio de Janeiro vive tempos difíceis.

Atualmente, as aulas já estão paralisadas em pelo menos três unidades e um grupo de estudantes ocupa a reitoria cobrando maior transparência na aplicação de recursos, pagamento dos funcionários terceirizados e maior assistência estudantil.

Eleito o novo reitor da maior universidade federal do país, o professor Roberto Leher só assumirá suas novas funções em julho. Mas já participa, nos bastidores, de reuniões que visam minimizar os problemas causados pela falta de recursos.

UOL: A UFRJ vem acumulando dívidas desde o início do ano. Esse cenário de grave crise pode ser solucionado? Quais as suas expectativas?

Leher: Sei que vamos assumir numa condição muitíssimo difícil. Um dos maiores problemas hoje é a terceirização, que está paralisando as atividades na UFRJ e ultrapassa o raio de ação da reitoria. Vários cargos foram extintos, como o de funcionários de limpeza, segurança, portaria. A universidade não pode mais prestar concurso para estas funções, porque elas não existem mais. Nosso objetivo é argumentar com os ministérios da Educação e do Planejamento em favor de uma lei que restabeleça essas funções. O custo é muito inferior do que estamos praticando com as terceirizações, que não funcionam.

UOL: Os terceirizados afirmam que estão com salários atrasados há três meses. A informação procede?

Leher: Por uma cláusula da Lei de Licitações, as empresas devem assegurar o pagamento de seus funcionários por até 90 dias. Nenhuma das empresas terceirizadas da UFRJ tem atraso de pagamento superior a 90 dias. A empresa que temos o maior problema hoje é a Qualitécnica. Neste caso, o pagamento em atraso é o do mês de maio, que ainda não foi feito porque a  empresa não emitiu uma fatura comprovando o depósito dos trabalhadores no mês anterior.

UOL: E como esse impasse pode ser resolvido?

Leher: São trabalhadores que recebem muito pouco. Estão passando um drama pessoal muito grave. Têm luz cortada, água cortada, estão sem dinheiro para comprar alimentação. É inaceitável. Essa empresa (Qualitécnica) está descumprindo o contrato. A informação que eu tenho é de que a empresa não está fazendo contato com a UFRJ, mesmo a universidade estando atrás da empresa. Por isso, ainda nesta segunda estaremos no Ministério Público do Trabalho (MPT) para denunciar esta situação. A idéia é que o MPT forneça ordem para que a empresa repasse os dados dos funcionários. Assim, a UFRJ faz diretamente um depósito para os trabalhadores que estão sem salário.

UOL: Como está o quadro orçamentário da UFRJ?

Leher:  O nosso quadro orçamentário é, sem dúvida, dramático. Em 2011, tínhamos 234 milhões para custeio, e pagávamos 871 trabalhadores terceirizados. Já em 2014, tivemos 301 milhões de custeio, e pagamos cinco mil terceirizados. A rigor, o recurso de custeio não é para pagar pessoal. É para manutenção, para pagar energia, água, infraestrutura dos prédios. O pagamento do pessoal terceirizado entra como se fosse um serviço. Anteriormente, as despesas de pessoal eram pagas pelo tesouro nacional.  Em 2014, proporcionalmente, nosso orçamento de custeio foi inferior à quase a metade do orçamento de 2011. Além disso, em 2011, tínhamos uma verba de 104 milhões de investimento. Em 2014, este recurso de investimento caiu para 61 milhões.

UOL: E este ano, há recursos para cobrir as despesas de custeio? E de quanto são as dívidas?

Leher:  Temos um orçamento previsto de 372 milhões de reais, e a UFRJ deve receber  um doze avos desses recursos a cada mês. Isso daria 31 milhões por mês para custeio, totalizando 155 milhões até maio. Mas o MEC autorizou 115 milhões até maio. E o financeiro só repassou efetivamente 85 milhões de reais, quase a metade. Isso gera esse deficit de aproximadamente 100 milhões de reais.

UOL: Com esse deficit, os problemas devem se agravar. O senhor falou anteriormente que a UFRJ só tinha como se manter até setembro. É isso mesmo?

Leher:  Sim. Fala-se desse prazo para as outras universidades federais também. No caso da UFRJ, com deficit de 100 milhões, à medida que os recursos de 2015 forem sendo liberados vamos ter que dar conta do passivo de 2014. E esse passivo vai provocar o esgotamento dos recursos. Certamente estaremos numa situação em que essas escolhas continuem dramáticas agora como ‘vamos pagar a luz ou vamos pagar os terceirizados?’ ‘pagar água ou manter serviços?’. Esses dilemas que já provocam a paralização da universidade podem continuar acontecendo. Sem dúvida, é um ano péssimo. Não se trata só da interrupção das aula, significa desarticulação de várias atividades importantes.

UOL: E qual a solução para não paralisar todas as atividades?

Leher:  Precisaremos de um orçamento suplementar. O que nós entendemos como urgente é a UFRJ receber os seus 60 milhões de 2014 que foram retirados (contingenciados). E ao mesmo tempo que o MEC faça um acerto interno com a área econômica para corrigir o orçamento previsto para as universidades federais em 2015. Desse modo seria possível terminar o ano, ainda que com austeridade. Mas aí se trata de saber o que é prioridade para o governo .

UOL: Desde 2007, com o início do Reuni, houve uma ampliação no número de vagas nas universidades federais. E os recursos, não acompanharam essa expansão?

Leher:  O Reuni aumentou em 63% o número de matrículas da UFRJ, por exemplo. A contrapartida do governo foi o aumento de 20% de recursos para as universidades. Mas o planejamento do Reuni foi feito só até 2012. A partir de 2012 esperava-se uma lei de financiamento que assegurasse a expansão verificada no período e a continuidade de recursos. Mas isso não aconteceu. Foi um ano de crise econômica e de mudança de prioridades do governo federal.  Hoje, obviamente, o governo prioriza a expansão privada por meio do Fies. O governo Dilma passou a priorizar uma expansão mais agressiva das instituições privadas. O aporte de recursos federais pro Fies cresceu exponencialmente nos últimos anos. Também temos o Prouni, que envolve isenções tributárias. Já o Fies conta com financiamento público, na compra de serviços educacionais das empresas privadas de educação. Outra prioridade de formação mais massiva foi para o trabalho simples, por meio do Pronatec. As universidades perderam a centralidade. Isso é muito grave se pensarmos num processo democrático de nação.