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Alagoas vota hoje projeto de "neutralidade" do professor em sala de aula

Representantes do Sinteal (Sindicato dos Trabalhadores de Educação de Alagoas) se manifestaram contra a novo lei na Assembleia Legislativa de Alagoas - Divulgação
Representantes do Sinteal (Sindicato dos Trabalhadores de Educação de Alagoas) se manifestaram contra a novo lei na Assembleia Legislativa de Alagoas Imagem: Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

26/04/2016 06h00

A Assembleia Legislativa de Alagoas deve votar a partir das 15h desta terça-feira (26) o veto do governador Renan Filho (PMDB) ao projeto de lei, aprovado em novembro de 2015, que cria a “escola livre”. O projeto, de autoria do deputado Ricardo Nezinho (PMDB), obriga os professores a manter "neutralidade" em sala de aula, impedindo-os de “doutrinar” e “induzir” alunos em assuntos políticos, religiosos e ideológicos.

O projeto foi aprovado por unanimidade pelos deputados no dia 17 de novembro, mas causou reações contrárias e virou alvo de polêmica. Dois meses depois, em janeiro, o governador vetou integralmente a lei, alegando inconstitucionalidade.

Nesta terça-feira, quando está marcada a apreciação para derrubada ou manutenção do veto à lei, grupos contrários e a favor à "escola livre" marcaram atos para pressionar os deputados.

Segundo o projeto, o professor deve manter "neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado"; e fica "vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico.”

6.out.2014 - Renan Filho (PMDB) falou pela primeira vez, na manhã desta segunda-feira (6) após ser eleito governador de Alagoas com 52,16% dos votos válidos. Filho do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB) ele derrotou o candidato Benedito de Lira (PP) que obteve 33,91% dos votos  - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
O governador Renan Filho (PMDB) vetou o projeto
Imagem: Reprodução/Facebook
O professor também ficaria proibido de fazer “propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de aula" e incitar "seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas”.

Além disso, determina ainda que, nas questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor deve apresentar aos alunos, “de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordando ou não com elas.”

A lei também condiciona a frequência dos estudantes em disciplinas optativas à “expressa autorização dos seus pais ou responsáveis.”

Para garantir a efetividade da lei, o projeto prevê punições previstas no Código de Ética e no regimento únicos dos servidores, que estipula a até demissão.

Veto e votação

A lei foi vetada integralmente pelo governador sob argumento de que era inconstitucional. Para Renan Filho, ela prevê gastos com cursos de capacitação, e é vedado aos deputados apresentarem projetos que criem novas despesas ao Executivo.

Também foi contrária à ideia dos deputados. “A partir do momento que se proíbe o professor de tecer qualquer consideração de natureza filosófica, política e ideológica, sem qualquer parâmetro adequado, acaba-se por tolher o amplo espectro de atuação do profissional da educação”, diz o veto do governador.

Para esta terça-feira, a bancada do governo informou que deve orientar pelo voto a favor da manutenção do veto, ou seja, recusando o projeto. Apesar de ser a maioria da Assembleia, não está claro como será a posição de cada deputado, já que boa parte manifestou apoio público ao projeto nas últimas semanas.

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas também é contra a medida e vai realizar ato na porta do legislativo.

Segundo a presidente do sindicato, Consuelo Correia, o projeto vai cercear a liberdade de ensinar. “Nós seremos o primeiro Estado do Brasil a cercear a liberdade do professor de se manifestar. Já não temos prestígio social, e agora não podermos mais manifestar em sala de aula é absurdo”, disse.

Segundo ela, a neutralidade pregada no projeto não existe na prática. “A escola não pode ser neutra. Debater um assunto não é doutrinar. Nós não fazemos nenhuma doutrinação. Se fizéssemos, não estaria ocorrendo no país o que está ocorrendo no país, onde as pessoas não sabem o que está ocorrendo”, disse.

Não vou falar com meu aluno sobre seus direitos? É terrível, especialmente em Alagoas, onde existem os piores índices educacionais. Os deputados, em vez de estar preocupados em reduzir o analfabetismo, fazem lei para cercear professor

Consuelo Correia

A presidente também teme que, se aprovado, os professores sejam punidos. “Vamos correr um sério risco em fazer um debate na sala de aula, e o aluno levar a reclamação para dizer que o professor vai doutrinar. Isso nos assusta demais. E a questão de não fazer propaganda política, de não convocar para atos públicos, se na escola pública faltar professor e merenda, não vou debater? Não vou falar com meu aluno sobre seus direitos? É terrível, especialmente em Alagoas, onde existem os piores índices educacionais. Os deputados, em vez de estar preocupados em reduzir o analfabetismo, fazem lei para cercear professor”, finalizou.

“Ideologias malignas”

Mas o projeto é defendido por instituições, como a Igreja Católica. Em nota pública em seu site, a Arquidiocese de Maceió disse que existe hoje a prática de “doutrinações de ideologias malignas” e pede a derrubada do veto. “O empoderamento do relativismo destrói os valores familiares e, ultimamente, tem investido pesadamente nas escolas para atingirem as crianças e adolescentes em formação do seu caráter”, informou.

O empoderamento do relativismo destrói os valores familiares e, ultimamente, tem investido pesadamente nas escolas para atingirem as crianças e adolescentes em formação do seu caráter

Arquidiocese de Maceió

Segundo o representante dos movimentos Pró-Família e Alagoas contra a Doutrinação Escolar, Ademar Solon Júnior, a escola, hoje, está com um “perfil doutrinador”. “Alguns professores apresentam seu ponto de vista e seu segmento ideológico como sendo o único ponto a ser abordado”, disse.

Defensor do projeto, ele alega que a lei vai ampliar a discussão escolar, com igualdade de projeção de pensamento. “As pessoas ainda têm receio de denunciarem os abusos de conteúdos. Os professores da rede pública têm receio de denunciarem os conteúdos que são obrigados a apresentarem em sala de aula, mesmo sendo contrários aos parâmetros curriculares. Já os alunos são passivos no processo, então nem se atentam que estão sendo doutrinados. Um ou outro que tem um discernimento melhor e apercebe-se da doutrinação”, disse.

O UOL tentou falar com o deputado Ricardo Nezinho, nessa segunda-feira (25), mas não conseguiu localizá-lo. Em entrevista na semana passada, ele disse que a melhor explicação para a lei seria a leitura do projeto.