"Ocupação não me prejudica para o Enem", diz manifestante em Curitiba
“Enem tem todo ano. O que fazemos aqui é pelos próximos vinte”, disse nesta terça-feira (1) a estudante Lyah, 17, habitual porta-voz do grupo que ocupa o Colégio Estadual do Paraná, o mais tradicional do Estado, em resposta à possibilidade de que os alunos de escolas ocupadas percam a chance de realizar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) – o prazo dado pelo Ministério da Educação para que as unidades fossem entregues terminou à meia-noite de segunda (31).
Aluna do terceiro ano, Lyah está inscrita no Enem deste ano, mas disse não se sentir individualmente prejudicada pelo movimento de que é parte. “A ocupação não me prejudica quanto ao Enem. Estudamos enquanto estamos aqui dentro, tivemos palestras com professores [simpatizantes do protesto]”, justificou.
Ainda assim, vê a possível sanção aos ocupantes como “mais uma estratégia para desmobilizar o movimento” dos estudantes, que, desde o início de outubro, ocupam escolas no Paraná em protesto contra a medida provisória que reforma o ensino médio e a PEC 241, que limita à inflação o aumento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos.
“Antes do Enem, era o vestibular da [Universidade] Federal [do Paraná]. Depois, a eleição”, afirmou. O Estadual, como é conhecida a escola onde ela estuda e que agora ocupa, é tradicional local de provas e de votação em Curitiba. Por conta do protesto, a UFPR e o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) buscaram outros espaços para acomodar vestibulandos e eleitores. “Por que não fazer o mesmo com o Enem?”, questionou.
“Resguardo”
O Estadual amanheceu calmo, mas fechado, nesta terça-feira (1). Ao contrário de outros dias, em que havia manifestantes na porta da escola, conversando entre eles e com jornalistas, hoje a reportagem encontrou a porta fechada a corrente e cadeado. Após sair para atender ao UOL, Lyah explicou que os estudantes estão “de resguardo” –ou seja, trancados no prédio, com acesso impedido a quem não seja do movimento. Acreditam que o governo do Estado irá forçar a desocupação e, em assembleia, decidiram tentar permanecer.
“Mas não tem cabimento resistir à polícia”, admitiu ela. “Estamos limpando o prédio para deixá-lo pronto para a saída.” Apesar da impressão dos estudantes, o Estadual é objeto de um acordo mediado pelo Ministério Público e aceito pelo governo do Estado e pela Justiça. Costurado no último sábado (29), garante mais dez dias de permanência dos ocupantes desde que as outras 24 escolas que tiveram reintegração de posse determinada pela Justiça na quinta (27) sejam esvaziadas.
Embora rejeitado pelos próprios estudantes do Estadual, o acordo tem sido cumprido. Ontem, sete escolas foram desocupadas pacificamente, segundo a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná), que acompanha a oficial de Justiça que cumpre as decisões. Não houve confrontos, e os colégios foram encontrados em situação “igual ou melhor” do que a que estavam.
Ao lado do Estadual, colégio é desocupado
Nesta manhã, a desocupação começou no Colégio Estadual Tiradentes, centro de Curitiba –a uma quadra do Estadual. Por volta das 10h, policiais militares que acompanham a oficial de Justiça romperam a corrente que mantinha o portão fechado e o processo seguiu o rito observado ontem –um advogado da OAB entra e explica a situação e os direitos dos estudantes; em seguida, a oficial de Justiça e funcionários da Secretaria da Educação cumprem a decisão.
Policiais acompanham a ação do lado de fora. Ontem, eram 40 homens; hoje, são 25. “Estamos aqui para garantir a segurança de todos, estudantes e responsáveis pela desocupação”, disse o tenente-coronel Edson Solak, chefe do Estado-Maior do Primeiro Comando Policial da PM.
Era quase meio-dia quando os estudantes começaram a sair. De dentro da escola, trouxeram malas com roupas e pertences pessoais, colchões, cobertores e alimentos –que pretendiam levar ao Estadual. Já do lado de fora, gritaram palavras de ordem em favor das ocupações. À imprensa, disseram que haviam decidido não conceder entrevistas.
“Foi uma saída pacífica, e a ocupação não causou danos ao colégio. Havia muitas goteiras em uma sala de aulas, parcialmente inundada, mas o próprio diretor reconheceu que o problema é antigo”, explicou Anderson Rodrigues Ferreira, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB.
O Tiradentes foi construído em 1953 para as comemorações dos 100 anos de emancipação política do Paraná. Fica em frente à Praça 19 de Dezembro, mais conhecida na cidade como “praça do homem nu”, também ela um marco do centenário.
Um vendedor ambulante que trabalha em frente à escola disse que, durante toda ocupação, a escola permaneceu “calma”. “Realmente eu não tenho muita informação [sobre a medida provisória do ensino médio]. Mas o pouco que entendo já me faz achar esquisita”, afirmou ele, que pediu para não ser identificado.
Do Tiradentes, a caravana que reúne oficial de Justiça, representantes da OAB, da Defensoria Pública e policiais militares seguiu para o Colégio Estadual Professor Cleto, nas Mercês, bairro próximo ao centro. Ali, a desocupação foi mais rápida, segundo a OAB. A diretora da unidade também não relatou danos –apenas parte da merenda escolar, estocada em freezers, foi consumida pelos estudantes. Após o almoço, o cumprimento das decisões judiciais seria retomado. A intenção da Justiça era passar por mais oito escolas ainda nesta terça.
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