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Por que cada vez mais alunos da rede pública entram na Unicamp e na Unesp?

Iryna Miréia, 20, estudou a vida inteira em escola pública e conseguiu aprovação no curso de biologia da Unesp - Arquivo pessoal
Iryna Miréia, 20, estudou a vida inteira em escola pública e conseguiu aprovação no curso de biologia da Unesp Imagem: Arquivo pessoal

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

17/02/2017 04h00

Depois de tentar pelo segundo ano consecutivo e estudar a vida inteira em escola pública, Iryna conseguiu estar entre os 49,1% de candidatos aprovados no vestibular 2016 da Unesp (Universidade Estadual Paulista) que vêm de escola pública.

Vai deixar a casa da mãe, em Vila Maria, na zona norte de São Paulo, para viver em Rio Claro, a quase 160 km da capital paulista, onde funciona o campus da Unesp que oferece o curso dela, e para isso precisará da ajuda da universidade. “Vou tentar arranjar bolsa e as ajudas de custo que a universidade oferece a alunos de baixa renda”, disse, esperançosa.

Cada vez mais estudantes com o perfil de Iryna têm conseguido ingressar na universidade estadual. A porcentagem de aprovados na primeira chamada da Unesp foi a maior já obtida no certame. No concurso anterior, a taxa ficou em 42,9%.

A lista dos aprovados no vestibular da terceira melhor universidade do país também trouxe a notícia de que 52% dos que conseguiram nota suficiente para ingressar nos 70 cursos de graduação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) vieram de escolas públicas, também a maior marca já alcançada pela instituição. Em 2016, o índice foi de 51,9%. 

A reportagem também solicitou informações sobre o desempenho desse público na primeira lista de aprovados da Fuvest, que seleciona os estudantes que ingressam na USP (Universidade de São Paulo), também estadual, mas foi informada de que esses dados "são gerados após a última chamada e divulgados no questionário socioeconômico dos aprovados."

Por que cada vez mais alunos de escola pública têm conseguido ingressar nessas duas universidades? Para pró-reitores de graduação, responsáveis pela organização dos vestibulares das duas instituições e especialistas na área de educação ouvidos pela reportagem, as políticas de inclusão executadas pela Unicamp e pela Unesp são a resposta para o questionamento.

Embora distintas entre si quanto à metodologia aplicada, elas têm cumprido o papel de abrir as portas dessas instituições para quem vem da rede pública.

A quantas andam as políticas de inclusão?

As universidades estaduais de São Paulo não aderiram ao Sisu (Sistema de Seleção Unificada) --que seleciona alunos através da nota do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) para as universidades e institutos técnicos federais-- e, consequentemente, ao seu regime de cotas para alunos de escolas públicas.

Na Unesp, desde 2014 uma porcentagem das vagas tem sido destinada a esse público pelo SRVEBP (Sistema de Reserva de Vagas para a Educação Básica Pública). A meta era aumentar, em cinco anos, esse número para 50%.

“Começou em 2014, com a reserva de 15% das vagas para estudantes de escola pública. Este ano, já são 45% das vagas. A meta final é destinar 50% das vagas da universidade a esse público”, explicou Antônio Nivaldo Espanhol, diretor presidente da Fundação Vunesp, que realiza o vestibular da instituição.

No caso da Unicamp, não há reserva de vagas. A inclusão se dá por bonificação, ou seja, pontos extras em cima da nota obtida no vestibular do aluno que vem de escola pública.

Todos os candidatos que fizeram o ensino médio integralmente em escolas públicas receberam 60 pontos na primeira fase e outros 90 pontos na segunda fase do Vestibular Unicamp 2016. Antes, a pontuação era aplicada somente após a segunda fase.

Essa política é conhecida como Paais (Programa de Ação Afirmativa para Inclusão Social). “Ao longo dos anos, o Paais passou por ajustes, o que é, inclusive, uma das vantagens desse programa de inclusão. Com esse percentual [52%], acredito que o programa está consolidado”, afirmou o coordenador executivo da Comvest, Edmundo Capelas de Oliveira.

A meta imposta pelo Consu (Conselho Universitário) era de 50% de estudantes da rede pública até 2017. “Esse fato já ocorreu em 2016 quando foi atingida a marca histórica de 51,9%, na primeira chamada, de advindos de escolas públicas”, acrescentou.

Quais são os impactos?

Na Unesp, o impacto maior das políticas de inclusão tem sido a presença massiva de alunos de escola pública em cursos de bacharelado, como medicina e engenharia, segundo a pró-reitora de Graduação da Unesp, Gladis Massini-Cagliari.

“Nos cursos de licenciatura, já tínhamos um público de mais de 50% de alunos de escola pública. Então, o impacto [do SRVEBP] neles tem sido pequeno", disse.

A mudança maior tem sido nos cursos mais específicos, como engenharia e medicina. Este ano, esses cursos terão 45% dos seus alunos vindos de escolas públicas. Ano que vem a marca será de 50%. Gladis Massini-Cagliari, pró-reitora de Graduação da Unesp.

Segundo ela, as inscrições de estudantes da rede pública nesses cursos eram menores antes do SRVEBP. “Talvez porque eles já se excluíssem do processo, eles nem se inscreviam, quem sabe por acreditar que não seria possível entrar. Com a divulgação de que alunos de escola pública têm conseguido aprovação, se pode observar que teve um aumento da inclusão nesses cursos e de candidatos nessas categorias”, disse.

No ano passado, o percentual de egressos da rede pública que conseguiram entrar no curso de medicina da Unicamp, o mais concorrido do vestibular, chegou a 88%.

A taxa de evasão, segundo a Unicamp, entre matriculados em todos os cursos, é da ordem de 6%.

As estatísticas indicam que, ao final dos cursos, os alunos oriundos de escolas públicas têm rendimento igual ou superior àqueles que vêm de escolas particulares Unicamp, em nota

Segundo Massini-Cagliari, um estudo feito no ano passado mostrou que mesmo que haja mais dificuldade por parte desse estudante, ela é mais restrita aos primeiros anos da graduação.

“Não vemos muita diferença entre os dois públicos nos anos finais”, disse, fazendo a ressalva que os dados obtidos ainda são incipientes, porque a reserva de vagas é algo recente.

Escola pública é tudo igual?

A jovem apresentada no primeiro parágrafo dessa reportagem estudou a vida inteira em escola pública, mas fez todo ensino médio em uma Etec (Escola Técnica Estadual de São Paulo), que possui indicadores melhores do que as chamadas escolas regulares.

“Como tem prova para selecionar, o ensino acaba sendo um pouco melhor. Quando eu entrei lá tive um choque de realidade em relação a minha outra escola. Eu nem sabia direito como fazia para entrar numa universidade”, contou Iryna Miréia.

Para Maurício Ernica, professor da Faculdade de Educação da Unicamp, “ser de escola pública” é um indicador precário de exclusão social, justamente porque a rede pública de educação básica não é um todo homogêneo.

“Escola pública não é uma coisa só. Dentro da rede há escolas de altíssimo desempenho, semelhante às privadas, como as escolas técnicas, os colégios de aplicação, as escolas federais, as militares” Maurício Ernica, Unicamp.

Ernica explicou ainda que há diferença de desempenho até entre as escolas regulares. “As mais centrais, que tem melhor reputação, que tem professores com mais experiência, costumam ter melhores desempenhos do que as mais periféricas”, disse.

Para ele, é preciso ter cuidado, porque o fator “escola pública” pode dar a um aluno que já tem vantagens sociais uma segunda vantagem. “Vamos tomar como exemplo um filho de um professor universitário que passa por vestibulinho da escola técnica. Ele é de família de renda maior, fez escola pública de bom desempenho, ou seja, tem as vantagens da sua posição social e vai ter a vantagem de ser egresso de escola pública”, explica.

Quem paga por isso?

As ajudas de custo oferecidas pela universidade para o aluno de baixa renda podem vir a ser um entrave para a ampliação dos programas de inclusão, principalmente, em um quadro de crise e redução de orçamentos vivenciados pelas universidades brasileiras.

“Com o aumento no número de alunos vindos de escola pública existe a necessidade de a universidade melhorar o sistema de apoio ao estudante de baixa renda, como moradia, alimentação, transporte. O problema é que as estaduais de São Paulo estão no limite da capacidade de assumir despesas. Se falta condições para esse estudante se manter, certamente a taxa de evasão aumenta”, explicou João Cardoso Palma Filho, professor de sociedade, estado e educação do Instituto de Artes, da Unesp.

Segundo Massini-Cagliari, os custos com programas de manutenção na Unesp já correspondem a 20% da verba de custeio previstas no orçamento –excluindo o que é gasto com folha de pagamento.

“Isso é bastante, considerando que com essa verba a universidade faz a manutenção e melhoria da sua estrutura física, compra livros para a biblioteca, adquire insumos, entre outros gastos”, disse.

A pro-reitora de Graduação da Unesp disse ainda que alcançar a meta de 50% de reserva de vagas para alunos de escola pública será um desafio. “Aumentar os gastos não é uma opção. Essa atual gestão tem buscado conversar com o governo estadual para ver novas fontes de financiamento e assim poder ampliar os programas de permanência”, explicou.

Na Unicamp, os recursos também constam no orçamento para 2017 e, segundo a instituição, somam aproximadamente R$ 66 milhões anuais. Questionada sobre a falta de recursos para a manutenção dos programas de permanência, a universidade informou, em nota ao UOL, que “apesar das dificuldades financeiras, a Unicamp conta com reservas estratégicas que permitem manter a qualidade nas atividades de ensino e pesquisa.”