Após ano perdido, Uerj em crise enfrenta incerteza: "piora a cada dia"
Na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), 2016 ainda não terminou. E não há qualquer previsão para o fim do ano passado.
A crise que levou o governo estadual a declarar calamidade financeira, em junho, embaralhou o calendário da instituição, que passou por uma greve de cinco meses e meio, entre março e agosto. O primeiro semestre letivo só acabou dias antes do Natal. O início do segundo, por sua vez, foi adiado pela quinta vez no dia 13 de fevereiro, dessa vez com data indeterminada.
Segundo a reitoria da instituição, a volta às aulas, prevista para exatamente um mês atrás, só acontecerá dois dias úteis após o "(re)estabelecimento das condições básicas para o funcionamento da universidade".
Qualidade das aulas afetada
Comprometido no calendário, o semestre letivo cumprido aos trancos e barrancos no ano passado também teve a qualidade das aulas afetada. A avaliação é do professor da Faculdade de Educação da Uerj Rafael dos Santos, que conta como a falta de manutenção atrapalha a rotina na universidade. "Os equipamentos que vão dando defeito, como televisão, data show e até tomadas, ficam sem conserto", explica.
"Invariavelmente falta água e papel higiênico nos banheiros, e não dá para limpar todos os dias. Tem dias que é insuportável entrar", completa o professor. Na Uerj desde 2004, ele diz já ter passado por outras crises na universidade, "mas não nesse nível".
Pedindo para não ser identificada, uma aluna do curso de direito --reconhecido como um dos melhores do Brasil e que tem entre seus professores o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso-- lamentou os efeitos do atraso no calendário. "Eu, por exemplo, já devia ter me formado. Com essa situação, o curso vai perdendo o nome que tem", declarou.
"A situação piora a cada dia. Como o pagamento das empresas terceirizadas está atrasado, só dois dos dez elevadores estão funcionando, e os banheiros estão sem limpeza. Alguns corredores da universidade estão sem lâmpada", diz o estudante de engenharia química George Torno, 25, que é coordenador do DCE (Diretório Central do Estudantes).
O Fórum de Diretores da Uerj exigiu do governo a apresentação de calendário de repasses de verbas para a manutenção e pagamento de salários, hoje atrasados, com previsão de repasse de cota financeira mensal, além de um plano de regularização dos pagamentos às empresas terceirizadas, responsáveis pela infraestrutura, limpeza, segurança e do Restaurante Universitário --o espaço está fechado por conta de dívidas do governo.
Em nota enviada ao UOL, a Secretaria de Fazenda do Rio informou que o governo "reconhece a importância da Uerj e tem concentrado esforços na busca de soluções para a superação do atual quadro de graves dificuldades enfrentadas pela instituição".
Segundo a pasta, foram repassados 76% do orçamento total da universidade (R$ 1,1 bilhão) em 2016, incluindo pessoal e custeio. Os salários de dezembro foram pagos em cinco parcelas --a última delas quitada na semana passada. O 13º segue atrasado. "Sobre o salário de janeiro, ainda não há previsão de pagamento", diz a nota.
A pasta atribui os repasses incompletos "à crise nas finanças estaduais, provocada pela significativa queda na receita de tributos em consequência da depressão econômica do país, pelo recuo na arrecadação de royalties e a redução dos investimentos da Petrobras".
"A Uerj não pode ser tratada como um custo para o Estado, mas como um investimento que dá retorno. Mesmo passando por toda essa crise, a Uerj é uma instituição de excelência", declara George.
Fundada em 1950, a universidade hoje tem aproximadamente 35 mil alunos, sendo 9.000 deles bolsistas. O repasse dos benefícios, de R$ 400, também está atrasado. "Isso inviabiliza o retorno dos estudantes, mesmo que a universidade volte a funcionar".
Um dos coordenadores-gerais do Sintuperj (Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais do Rio), Antônio Fernandes é servidor aposentado e chegou à instituição na década de 1960.
"A Uerj é talvez a universidade mais plural do Rio de Janeiro. Foi a primeira do país a implantar as cotas raciais, por exemplo. Cresceu, mas não teve o investimento necessário para sustentar esse crescimento".
Para ele, a comunidade acadêmica está sendo penalizada pelos erros do governo. "O Estado está quebrado? Está. Mas quem quebrou foram eles", diz. Ao comentar as frequentes quedas no fornecimento de energia no campus da Uerj, por falta de manutenção e pagamento, ele relembra os versos de uma marchinha de Carnaval da década de 1950. "Rio de Janeiro / Cidade que nos seduz / De dia falta água / De noite falta luz".
Como o prédio do campus principal, no Maracanã, zona norte do Rio, tem 12 andares, os elevadores são essenciais para grande parte dos alunos e funcionários. Ascensorista terceirizada, Elídia Silva, 75, não recebia havia meses, mas continuou trabalhando na Uerj. Recebeu ajuda de servidores para pagar o transporte. "De vez em quando a gente fica parada no meio dos andares", conta.
Trote solidário
Apesar dos adiamentos, a Uerj está em atividade. "Não estamos em aula, mas alguns cursos já fizeram suas recepções", conta o coordenador do DCE, George Torno.
Há pouco mais de duas semanas, a comunidade acadêmica realizou um "trote solidário", arrecadando 1,5 tonelada de alimentos para os terceirizados, que não estão sendo pagos.
"A população tem que entender o quão importante a Uerj é para o Rio de Janeiro, inclusive para apontar saídas para a crise do Estado", declarou o estudante.
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