Topo

Porto Alegre reduz alimentos na merenda escolar e corta repetição de carne

Marlene Bergamo/Folhapress
Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

06/03/2017 13h03Atualizada em 06/03/2017 13h03

Um memorando enviado pela prefeitura de Porto Alegre às direções das 99 escolas municipais na última sexta-feira (3) anunciou uma inédita “redução de gêneros” alimentícios oferecidos na merenda escolar aos alunos da rede pública, além de “controle da alimentação de adultos” (professores e funcionários de escolas). A medida atinge os 45 mil alunos da rede própria e outros 18 mil das 226 escolas conveniadas.

O documento, assinado pela nutricionista Cíntia Nilva dos Santos, coordenadora do setor de nutrição da Secretaria de Educação, começa a valer nesta segunda-feira (6), quando reiniciam as aulas do sistema de ensino para a educação fundamental (da primeira à nona séries).

Além da redução das quantidades de alimentos, o memorando reitera que não será mais permitida a repetição da carne do dia pelos alunos – uma prática comum nas escolas municipais, a maioria delas localizadas em comunidades periféricas onde a merenda é um importante reforço alimentar das crianças em idade escolar. A determinação causou surpresa e indignação na rede pública de ensino de Porto Alegre.

“Neste mês, fizemos algumas alterações nas quantidades de carnes que chegarão às escolas. Foram considerados como critérios: consumo per capita (aluno) e número máximo de refeições/dia realizadas no mês de março de 2016. Informamos que a necessidade de proteína para o período é suficiente com uma porção de carne ou ovos. Não é autorizada a repetição de carnes, nem para alunos, nem para adultos”, explicita o documento.

Em outro trecho, o memorando pede que os diretores observem a aplicação das novas regras para evitar “constrangimentos” entre os profissionais. “Pedimos que as direções de escola, junto aos técnicos de nutrição, dialoguem com seus servidores/funcionários, deixando bem esclarecido [sic] as restrições e liberações quanto a esse processo do ato de alimentar-se na escola, para evitar futuros e possíveis constrangimentos”.

Em vez de carne, podemos servir ovos, diz secretário

O secretário municipal de Educação, Adriano Naves de Brito, confirmou as mudanças, mas explicou que o memorando não passou pela sua aprovação. “Não teve a minha autorização, o que é um erro”, disse. Brito, entretanto, admitiu que a medida decorre do corte de gastos determinado pelo Executivo municipal.

“Mas isso não significa redução de proteína. Em vez de carne, podemos servir ovos ou outro tipo de alimento. Vamos utilizar todos os recursos disponíveis e não haverá prejuízo aos alunos”, afirmou o secretário.

Segundo Brito, o valor nutricional da merenda “está garantido”. De acordo com o secretário, houve uma “análise criteriosa” das alterações para que o novo cardápio respeite a quantidade de calorias para uma boa alimentação.

O memorando informa que foram feitas “algumas pequenas alterações” sem comprometer a qualidade nutricional das refeições e “tão pouco [sic] os critérios impostos na legislação vigente do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)”.

A secretaria vem alterando os cardápios semanais das escolas de educação infantil (entre quatro anos e cinco anos e 11 meses de idade), que já haviam retomado as atividades, desde o início de fevereiro. A justificativa, então, era para problemas de entrega por parte de fornecedores. Em pelo menos um dia da semana, conforme apurou a reportagem, não está sendo servido qualquer tipo de carne aos usuários da rede.

A coordenadora-geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Sínthia Mayer, diz que a rede de ensino foi pega de surpresa com o memorando.

Segundo ela, a redução no fornecimento de gêneros se acentuou no final do ano passado. “Vem diminuindo e atrasando [a entrega]. Se a prefeitura precisa reduzir custos, tudo bem. Mas à custa da alimentação dos alunos? Isso é inaceitável”, disse a dirigente. A Atempa anunciou que irá acompanhar a qualidade das refeições para estudar o cumprimento das diretrizes do PNAE e, eventualmente, acionar a prefeitura na Justiça.

Professores não podem acompanhar alunos nas refeições

Os efeitos do memorando devem ser agravados ainda mais por decreto publicado pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) na semana passada, que altera as diretrizes de organização da rotina escolar. Os professores não poderão mais acompanhar a refeição dos alunos, como faziam desde 2004, e nem computar esse período como hora-aula.

Segundo o secretário de Educação, a avaliação do órgão é de que o horário escolar estava excessivamente “entremeado” com outras atividades. “O que fizemos foi organizar o horário escolar de modo que cada coisa esteja em seu tempo”, disse Brito. Os professores questionam o decreto e dizem que vão descumprir a determinação. “As duas medidas, combinadas, vão tumultuar ainda mais o horário das refeições”, explicou Sínthia.

Na Escola Municipal de Educação Fundamental Afonso Guerreiro Lima, no bairro Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre, o horário de almoço é marcado por agressões mútuas entre alunos das séries iniciais, até dez anos de idade, e das séries finais, cujos alunos podem ter até 18 anos. “Se com os professores [os alunos] já trocam socos na hora da refeição, imagina sem”, previu a técnica de nutrição Patrícia Guerreiro Lima.

Localizada numa área conflagrada pelo tráfico, na Parada 12 da Lomba do Pinheiro, a escola tem registros frequentes de alunos armados com facas ou até mesmo armas e fogo de pequeno calibre. Serve entre 350 e 500 almoços por dia, além da janta para os alunos do turno integral e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Não sei como os alunos vão se comportar [com relação à alteração de cardápio]. Tenho receio de uma reação violenta”, disse Patrícia.

A técnica não teme apenas a ausência dos professores no refeitório, com capacidade para 105 pessoas, mas também a alteração do perfil das refeições servidas. Patrícia informou que a redução no volume de carne chegou a 50% em alguns cortes. Além disso, a qualidade também diminuiu. “Não há impacto nutricional. Mas a qualidade das refeições com certeza ficará pior”, afirmou.

O tradicional frango assado, por exemplo, que provocava uma corrida de estudantes ao refeitório, terá de ser substituído por outro prato. Nesta semana, a quantidade de frango foi reduzida dos 90 quilos semanais para 45 quilos – e as tradicionais coxas e sobrecoxas deram lugar a peito com osso. O patinho que servia para fazer estrogonofe, outro prato concorrido da semana, foi substituído pela paleta, também uma carne de segunda, com osso. “É lamentável, mas não fomos consultadas sobre as mudanças. Isso aqui vai virar uma guerra”, lamentou a técnica em nutrição.