Topo

Plágio também vale? Decorar frases prontas vira estratégia para redação do Enem

Marlene Bergamo/Folhapress
Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

12/08/2017 04h00

O formato previsível e a importância que a redação tem para a nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) estão fazendo candidatos recorrerem a fórmulas prontas e até decorarem trechos de textos de professores para usar em suas redações. Mas essa prática abre um debate: existe limite entre inspiração e plágio?

O modelo de redação cobrado pelo Enem ao longo dos anos costuma ser sempre o mesmo: um texto dissertativo-argumentativo, de até 30 linhas, com introdução, desenvolvimento e conclusão, que deve propor uma solução ao problema apresentado. 

Saber lidar bem com esse formato e garantir uma boa nota na redação pode ser algo decisivo para o aluno na hora de obter uma boa colocação no Enem -- o exame que avalia os estudantes que estão concluindo o ensino médio e pode garantir vagas nas principais universidades do país.

Uma das redações que tirou nota mil (a nota máxima) na última edição do Enem, por exemplo, tinha partes praticamente idênticas a outros dois textos: uma redação nota mil do Enem 2015 e um texto feito para o Enem de 2014 pelo professor Rafael Cunha, do curso de educação à distância Descomplica.

“É absolutamente normal que alguém se inspire em algo que já deu certo”, diz Cunha. O professor afirma, no entanto, que existe um limite para isso: “ele me parece ser ultrapassado quando são utilizadas exatamente as mesmas palavras que o autor original. Mas, ao mesmo tempo, as regras permitem que isso aconteça, então não vejo maiores problemas”, diz.

“É claro que, em um mundo utópico, o ideal seria o aluno fazer um texto autoral, tendo plena autonomia para exercitar aquilo ali que é pedido. Mas, na realidade, não é o que acontece”, afirma Gabriela Carvalho, coordenadora de redação do curso Poliedro.

“Quando vou tentar convencer meus alunos a não copiarem, eu pergunto: como vocês vão decorar e lembrar dessa frase? E como vão ter certeza de que ela vai caber no tema que cair?”, afirma Gabriela.

Ela conta que a cópia é uma tática recorrente entre os alunos, que têm o hábito de fazer redações ao estilo “Frankenstein”: ou seja, pegando trechos de um ou mais textos diferentes. “Eles estudam a redação acima da média como fórmula e realmente decoram as frases”, afirma.

Modelo “mecânico”

Para o professor Cunha, é preciso questionar o modelo de redação proposto no Enem, que é “quase uma receita de bolo a ser seguida”. Segundo ele, isso faz com que os alunos acabem refletindo menos, o que levaria a um preparo mais “mecânico”.

Eduardo Calbucci, professor do curso Anglo, afirma que “o texto não pode ser uma colagem de partes feitas por outras pessoas”, mas defende: “o aluno inevitavelmente vai (fazer o exame) com uma estrutura mais ou menos pensada, porque senão seria impossível fazer a redação em quarenta minutos, uma hora. Não é receita de bolo, é apenas um ponto de partida”.

Para Gabriela, o problema vem de uma estrutura ainda maior. “Você tem corretores que estão fazendo uma correção mecânica porque precisam de dinheiro e, ao mesmo tempo, um aluno que está em uma sociedade com poucas vagas universitárias e quer se livrar dessa desgraça que é prestar vestibular”, afirma.

A professora diz que o aluno acaba repetindo a maneira com que estuda as outras matérias, como química ou matemática, por exemplo, nas quais a forma mais comum de se ensinar seria copiando e resolvendo exercícios. “Ele (aluno) está muito habituado à ideia de fórmula pronta e cópia. Então, ele acaba não percebendo nenhum problema moral ou educacional”, afirma.

Cópia da cópia da cópia

O plágio, segundo os professores ouvidos pelo UOL, acontece há muito tempo e em muitos vestibulares. “Eu aposto que existem centenas, talvez milhares de redações feitas no Brasil feitas por professores que vão conter trechos que vão ser copiados por alunos”, afirma Cunha.

Mas, para Gabriela, a origem do problema é social. “As pessoas ficam chocadas, mas elas não percebem que nos próprios comentários que fazem no dia a dia elas são incapazes de produzir pensamentos e argumentos próprios”, afirma.

O plágio nos vestibulares, segundo ela, tende a não ser notado, pois é bastante difícil que o corretor consiga conferir se há cópia em um texto desse tipo.

Mas Calbucci afirma: “se isso escapa às vezes no Enem, é sinal de que os corretores são muito pressionados a corrigir muitas redações em pouco tempo”.

“Isso vai dar problemas mais para a frente, quando a pessoa já estiver na faculdade, por exemplo. Ela vai ter que escrever muito e aí vai perceber a importância desse processo de fazer um texto”, afirma Gabriela.

Ela ressalta: “se a gente tem a possibilidade de ajudar o aluno, só sendo muito honesto com ele. É dizer: você faz parte do problema, mas também da solução”.