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Desvios na UFPR começaram há mais de dez anos, apontam investigações

Fachada do Prédio Histórico da UFPR, em Curitiba - Karime Xavier/Folhapress
Fachada do Prédio Histórico da UFPR, em Curitiba Imagem: Karime Xavier/Folhapress

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

22/11/2017 04h00

O esquema criminoso que desviou R$ 7,3 milhões em bolsas e auxílios-pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR) entre 2013 e 2016 funcionou ao menos desde 2006 na instituição, disse na última sexta-feira (17) Conceição Abadia de Abreu Mendonça, uma das quatro pessoas apontadas como organizadoras do golpe, em depoimento à Justiça Federal em Curitiba.

O testemunho de Conceição --que começa a negociar uma delação premiada com o MPF (Ministério Público Federal)-- corrobora uma suspeita que o aprofundamento das investigações vinha sugerindo aos procuradores e à Polícia Federal.

"Chegou-se à hipótese de que o esquema seria uma continuidade de uma prática, reiterada no tempo, de desvios a partir de fragilidades de controle [na UFPR]. Uma linha de investigação apurou isso", afirmou o procurador criminal Alessandro José Fernandes de Oliveira, responsável pelo caso no MPF.

Conceição, que durante anos chefiou o Setor de Orçamento e Finanças da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UFPR, e uma colega dela, Tânia Catapan, secretária da Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento, foram presas em fevereiro passado.

Uma operação da Polícia Federal chamada Research, deflagrada após uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), apurou que ambas desviavam dinheiro que deveria ser pago a pesquisadores da instituição. Ao todo, foram R$ 7,3 milhões que, entre 2013 e 2016, foram parar nas contas de 27 pessoas, nenhuma delas vinculada à universidade.

Em março, a operação prendeu Maria Áurea Roland, servidora aposentada que ocupou, na UFPR, cargo similar ao de Conceição, e a filha dela, Gisele Roland. No final do mês, o MPF ofereceu denúncia, aceita pelo juiz federal Marcos Josegrei da Silva, que tornou 34 pessoas rés na Justiça pelo desvio dos R$ 7,3 milhões. Conceição, Tânia, Maria Áurea e a filha Gisele foram apontadas como as arquitetas do esquema.

"Investigação aponta para o passado"

Agora, procuradores e policiais se inclinam aos indícios de que esse golpe não foi o único, mas um entre outros aplicados pelo grupo. "Essa é uma linha que o MPF está levando muito em consideração", disse o procurador Oliveira.

"Conceição fala [no depoimento à Justiça Federal] que ela é praticamente uma sucessora de Maria Áurea. Só isso explica a presença de Gisele no esquema. Não teria por que uma pessoa alheia, que não é servidora, estar no núcleo duro do esquema. Só uma participação mais efetiva da mãe poderia explicar a participação efetiva dela."

Também causava estranheza, aos investigadores, o fato de que Maria Áurea e Gisele recebessem parte do dinheiro desviado ainda que o esquema fosse comandado apenas por Conceição e Tânia, como se supôs inicialmente.

"Ainda há elos nebulosos, mas a investigação começa a apontar para o passado. Talvez esteja aí a explicação de por que duas pessoas que estão alheias ao serviço [público na UFPR] fazem parte do núcleo duro de mentores e executores do esquema e da divisão dos lucros", afirma Oliveira.

Apesar disso, os investigadores estão certos de que eventuais desvios cometidos antes de 2013 não seguiram o mesmo modus operandi dos identificados pela operação Research.

"O uso das bolsas [para desviar dinheiro] surgiu após a CGU (Controladoria-Geral da União) detectar um problema operacional. Por causa dele, a universidade resolveu pagar por meio de bolsas, e elas notaram que dava para pagar bolsas sem muito controle. Não há indicações de que esse modo tenha sido usado anteriormente, mas isso ainda está sob investigação", disse o procurador.

Um das chaves pode estar em Jorge Bina, preso na Research em março por receber dinheiro desviado de bolsas e auxílios-pesquisa em suas contas bancárias. Ele é cônjuge de Gisele Roland e dono de uma empresa que forneceu material de consumo para laboratórios da UFPR. Conceição sugeriu, em depoimento, irregularidades em compras realizadas pelo setor em que ela havia trabalhado.

"O Ministério Público resiste a considerar uma coincidência o fato de Bina ser fornecedor da universidade e companheiro de uma das principais investigadas [na Research]. Os próprios investigados falam em atestados fictícios de recebimento de materiais que não eram efetivamente entregues [à UFPR]. Essas possíveis fraudes em estão em investigação", falou Oliveira.

Obras interrompidas da expansão do campus da UFPR - Theo Marques/Folhapress - Theo Marques/Folhapress
Obras interrompidas da expansão do campus da UFPR
Imagem: Theo Marques/Folhapress

"Dinheiro de pesquisa no Brasil é muito escasso"

Nos próximos dias, o procurador irá instaurar procedimentos de investigação patrimonial contra todos os réus do processo criminal aberto em decorrência da operação Research. "Ninguém admite ter ficado com o dinheiro", justificou.

"Com a quebra de sigilo, delimitamos o prejuízo que cada um [dos investigados] causou. Vamos pedir que cada um responda pela parcela de responsabilidade que teve. O que interessa para a comunidade é que houve o desvio. E dinheiro de pesquisa no Brasil é algo muito escasso", diz Oliveira.

"Quem desvia R$ 7,3 milhões tira dinheiro de pesquisas contra o câncer, de novos medicamentos. Elas mataram pessoas, pois impediram ou limitaram pesquisas importantes. Esse dinheiro precisa voltar para os cofres públicos. Faremos esforço para que eles sejam patrimonialmente responsabilizados."

Outro lado

Paulo Gomes de Souza, advogado de Conceição Abadia de Abreu Moreira, disse à reportagem que a cliente "confessou [à Justiça] sua participação [no esquema criminoso] e detalhou a participação dos demais". "A intenção dela não é ser inocentada, mas ser responsabilizada apenas pelos crimes que cometeu. O esquema envolveu quatro pessoas", falou, referindo-se a Tânia Catapan, Maria Áurea Roland e Gisele Roland, além de Conceição.

Emerson Ferreira de Almeida, advogado de Maria Áurea e Gisele, informou que não comentaria investigações em curso, pois "o motivo da denúncia [que tramita na Justiça] são os desvios a partir de 2013". Sobre eles, afirmou que "Maria Áurea diz que não sabia e que não participou desse esquema". Já Gisele "confessou participação, porque precisava do dinheiro, que recebeu de Conceição e que sabia que era 'algum rolo'". Ainda assim, argumentou não ter conhecimento de que se tratava de dinheiro desviado da UFPR.

Marcos Antonio Gonçalves, advogado de Jorge Bina, disse que as acusações de Conceição Abadia sobre possíveis irregularidades em vendas da empresa dele à UFPR são "palavras de uma ré". "Não há nada contra a empresa de Jorge. O que há são investigações. Por ora, a defesa não tem nada a dizer. Ele desconhecia por completo o esquema, e outros réus já disseram não conhecê-lo."

Marlon Furtado, advogado de Tânia Catapan, disse que, após os depoimentos à Justiça Federal, "restou-se comprovado que ela não era mentora do esquema fraudulento, visto que nem sequer possuía poderes para aprovar ou montar processos e autorizar seus pagamentos". "Diante disto a defesa espera e acredita que a justiça seja estabelecida", prosseguiu.

Procurada pela reportagem, a assessoria da UFPR respondeu o seguinte: "A Universidade Federal do Paraná acompanha as investigações sobre o caso e é a principal interessada em seu aprofundamento e na responsabilização dos envolvidos. A UFPR aguarda a conclusão da investigação para tomar providências no sentido de tentar recuperar para os cofres públicos os valores desviados. Paralelamente, desde o início do ano, a atual gestão da UFPR vem implementando mecanismos para ampliar a transparência e o controle não apenas sobre o sistema de bolsas, mas sobre toda a governança da instituição".