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USP não é entidade assistencialista, diz novo reitor sobre ajuda a cotistas

Campus da Cidade Universitária no Butantã. Torre da Praça do Relógio. USP, Universidade de São Paulo. - Marcos Santos/USP Imagens - Marcos Santos/USP Imagens
Prédio da reitoria no campus da Cidade Universitária da USP, no Butantã
Imagem: Marcos Santos/USP Imagens

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

01/02/2018 04h00Atualizada em 01/02/2018 15h28

Para o novo reitor da USP (Universidade de São Paulo), Vahan Agopyan, não é tarefa das instituições de ensino superior se encarregar de funções como a oferta de infraestrutura para suprir as deficiências sociais dos alunos cotistas e de baixa renda e a gestão do HU (Hospital Universitário). 

"Somos péssimos administradores para manter residências estudantis, para fazer restaurantes ou para administrar auxílios de bolsas. Não é nossa especialidade. Nós não somos muito eficientes nisso", diz o reitor. “Precisamos discutir com os poderes públicos que não é a tarefa da universidade ser uma entidade assistencialista.” 

Para ele, as universidades públicas brasileiras deveriam se responsabilizar apenas pelas tarefas de ensino e pesquisa –deixando de lado uma “função social” ao desenvolver “esquemas para dar apoio ao aluno”.

Engenheiro, Agopyan tomou posse como reitor da USP na última segunda-feira (29). Ele deve permanecer no cargo até 2022, junto do novo vice-reitor, Antonio Carlos Hernandes. Eles assumem a reitoria de uma universidade com mais de 96 mil alunos –cerca de 60 mil deles de graduação e outros 30 mil de pós-graduação.

Em 2017, a USP investiu R$ 212 milhões em políticas de permanência ao aluno, como apoio moradia, auxílio-alimentação e auxílio-transporte. Neste ano, segundo a reitoria, o valor será de R$ 225 milhões. Dentro do programa de bolsas e auxílios, R$ 36 milhões serão destinados especificamente às políticas de inclusão social, destinadas a alunos PPI (pretos, pardos e indígenas).

O orçamento da USP aprovado para 2018 será da ordem de R$ 5,1 bilhões –deles, R$ 4,99 bilhões virão de repasses do governo estadual, correspondentes à parcela de 5% do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Desde 2014, no entanto, a USP vem adotando medidas de austeridade para diminuir os gastos com a folha de pagamento, que em 2013 ultrapassou 100% do orçamento.

Agopyan recebeu a reportagem do UOL em seu gabinete na terça (30) para falar sobre a crise financeira da USP, a adoção de cotas sociais e raciais na instituição e a situação do HU, que em dezembro de 2017 fechou seu pronto-socorro por falta de médicos

Veja abaixo os principais momentos da entrevista.

UOL: O senhor nasceu na Turquia, mas veio ainda criança para o Brasil. Estudou na USP nos anos 1970 e de lá para cá ocupou diversos cargos dentro da universidade. Como o senhor define sua relação com a universidade, hoje? Que mudanças viu acontecer aqui dentro?

AGOPYAN: Mudanças radicais. Em 1970, a USP não tinha autonomia financeira administrativa, então todo ano o reitor da época tinha que discutir com a Assembleia [Legislativa], com o governador para conseguir recursos.

Em 1989 nós tivemos nossa autonomia financeira administrativa. E isso foi um divisor de águas muito grande. [Agora] Eu tenho uma previsão: deste ano até 2022, eu sei o que vai acontecer.

Logicamente a economia flutua, nós temos variações muito grandes, mas nós temos pelo menos uma capacidade de gestão mínima. E esse foi, para mim, acho que o grande divisor. E graças a isso as três universidades públicas paulistas começaram a se destacar, a ser muito mais eficientes.

No ano passado, um dos principais rankings de universidades do mundo, o THE (Times Higher Education), colocou pela 1ª vez a Unicamp à frente da USP. O que tirou a USP do topo?

Isso é uma coisa muito interessante. O THE faz vários rankings. No ranking internacional, nós somos a melhor universidade ibero-americana. No ranking regional, a Unicamp foi a melhor universidade. Isso demonstra que nosso prestígio internacional continua sendo maior que o prestígio regional.

Como é que no mesmo ano no critério internacional nós estamos melhores e no critério regional nós não estamos melhores? Pode parecer uma incongruência. É que no critério internacional tem um número muito maior de pesquisadores de fora da América Latina que opina. E no critério regional são só pesquisadores da América Latina.

Para a Universidade de São Paulo não é importante ser o primeiro do ranking. Para a USP é importante se ela está atendendo às expectativas da sociedade paulista e brasileira. Porque rankings, cada um tem o seu viés.

E eu tenho certeza de que as três universidades públicas paulistas, a USP e suas co-irmãs Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), estamos cumprindo o nosso papel. Eu fico contente que a Unesp e a Unicamp que possam eventualmente passar a USP em qualquer classificação, eu não fico nem um pouco preocupado com isso.

Responsabilidade de administrar HU não deve ser da USP, diz reitor

UOL Notícias

As cotas foram aprovadas na USP no ano passado e foram aplicadas na Fuvest este ano. O que as cotas vão trazer para a universidade? Por que a USP foi uma das últimas universidades a aprová-las?

Eu diria que a USP toma as decisões de maneira às vezes um pouco demorada, mas mais sensata. O pró-reitor levou 4 anos estudando, demonstrando isso, mas nós tomamos [a decisão] em um momento oportuno e a comunidade e os docentes estão mais seguros com as medidas que nós tomamos. Ficam mais tranquilos que não vamos ter nenhuma repercussão negativa interna.

Uma porcentagem pequena dos alunos que estudam no ensino médio têm condições de estudar em escolas de ponta ou de fazer esses cursos preparatórios para o vestibular da Fuvest. Então certamente vários jovens talentosos não chegavam até a USP.

Estamos organizando uma comissão interna para analisar e acompanhar o que está acontecendo com os que entram pelas cotas. Eu tenho certeza de que os resultados serão positivos, mostrando para a sociedade que não está havendo um demérito, uma diminuição da qualidade dos alunos.

Os responsáveis pela saúde assumem essa responsabilidade ou não vamos resolver o problema [do Hospital Universitário]

A universidade tem algum tipo de preocupação com a permanência dessas pessoas que entram por cotas?

Esse é um outro mito que nós temos que começar a derrubar. Aluno da USP não é da elite. Nossos alunos são classe média: classe média baixa, classe média média, classe média alta. Lógico, tem, de vez em quando, algumas pessoas da elite brasileira e temos algumas vezes alguns alunos de famílias pobres que conseguem entrar.

Nosso alunato não é rico, por isso que a USP já investe hoje praticamente 1/3 dos seus recursos de custeio, alguma coisa equivalente a 4% de todo o seu gasto, em permanência estudantil.

Nós temos na USP um número muito grande de estudantes que não têm condições de estudar se não tiverem um apoio. Se nós não dermos apoio, esses estudantes não conseguem permanecer na USP. Isso tem que ficar claro para a sociedade. De vez em quando você vê um carro de luxo aqui e falam “ó, os estudantes andam com carro de luxo...”. Tem, às vezes, alunos com carro de luxo. Mas temos um número muito grande de alunos que precisam de apoio.

Dito isto, vamos falar um pouco sobre o aluno cotista –já começamos a receber alguns no ano passado, ano retrasado. Eles têm algumas deficiências básicas, então a Pró-Reitoria de Graduação já oferece para esses alunos um treinamento online dessas falhas que eles podem ter. Basicamente é linguagem, português, e, em algumas áreas, a parte da matemática. Essas são as maiores deficiências.

Outro problema importante é que certamente vai aumentar o número de alunos que necessitam de apoio para continuar estudando. É uma coisa que me preocupa porque a universidade está saindo da sua função de ensino e pesquisa e se tornando um órgão assistencialista.

Mesmo nos países do primeiro mundo, uma universidade europeia, quando essa universidade tem um aluno carente, não é a instituição que subsidia esse aluno. O poder público assume a tarefa de dar uma bolsa, um apoio a esse aluno, paga a universidade pública e dá recurso para o aluno. Aqui no Brasil, as universidades públicas assumem a tarefa de ensino e pesquisa e ainda nós --estou falando de todas as grandes universidades-- temos esquemas de dar apoio ao aluno, fazendo também uma função social.

Precisamos discutir com os poderes públicos que não é a tarefa da universidade ser a entidade assistencialista.

Então nós temos que mostrar isso pouco a pouco aos nossos governantes, que a nossa tarefa, que nós sabemos fazer bem, é ensinar e fazer pesquisa. Somos péssimos administradores para manter residências estudantis, para fazer restaurantes ou para administrar auxílios de bolsas. Não é nossa especialidade. Nós não somos muito eficientes nisso.

Aluno da USP não é da elite. Nossos alunos são classe média

Mas a proposta seria passar a responsabilidade para o governo do Estado?

Ou municipal. Nós vamos ter que discutir isso, começar a mostrar essa necessidade. Estou falando de uma universidade de primeiro mundo –eles não têm essa preocupação. Hoje mesmo um colega meu lá da Europa estava me falando... “Durante a crise europeia, foi tão forte a crise que nós tivemos que usar recursos próprios para manter nossos alunos”. Eu falei: mas isso nós fazemos rotineiramente, desde que eu conheço a USP. E para ele foi uma exceção.

Esta foi a terceira vez em que a USP ofereceu vagas pelo Sisu (Sistema Unificado de Seleção), mas alguns cursos exigiram notas muito altas e tiveram vagas que não foram preenchidas, principalmente as de cotas. Qual é, então, o papel da USP em oferecer vagas pelo Sisu, se ele não as preenche?

Nós estamos aprendendo. Essa é a terceira vez que estamos fazendo e vamos evoluindo. A questão de nota de corte não é tão trivial assim. Não dá para diminuir demais a nota de corte porque aí você vai ter que voltar a tentar suprir uma deficiência do ensino médio dentro da universidade.

Essas vagas não estão perdidas, elas vão ser totalmente repostas pela Fuvest. E mantendo as cotas, isso é importante. Então vai aumentar o número de alunos que entraram pela escola pública pela Fuvest.

Mas no caso, por exemplo, de medicina, exigia uma nota mínima de 700 pontos. Ciência da computação exigia 800 em matemática. O senhor não acha que são notas muito altas, em comparação com as notas da Fuvest?

Eu tenho certeza de que isso vai ser revisto no decorrer desse ano. Ciência da computação é um exemplo muito clássico, porque é a primeira vez [que oferece vagas pelo Sisu].

Logicamente isso vai ser revisto. O que não pode é baixar de um certo valor. Nisso sim se começa a ter dificuldades, inclusive para o aluno. Quer dizer, não queremos que o aluno seja um frustrado; ao contrário, queremos que o aluno se sinta bem e consiga superar a dificuldade.

A USP saiu da crise?

Em termos financeiros, nós saímos da crise, mas não está confortável. Aliás, nunca uma universidade está com recursos confortáveis. Tem que se tomar o cuidado de manter um rigoroso controle das nossas finanças, rigoroso, mesmo, e buscando novas fontes de recursos. Isso é uma coisa contínua.

Mas isso não é a curto prazo, isso as pessoas têm que entender. Outra coisa importante é: para a pesquisa, quanto mais recurso, você consegue fazer mais coisas. Então não existe recursos “folgados”, nunca existe isso.

A crise da USP também afetou o Hospital Universitário, que passa por uma situação de incertezas. O senhor é a favor da desvinculação do HU da USP, como já se tentou fazer em 2014?

A crise é da saúde pública. O HU é uma solução. A USP, de novo, saindo das suas funções de ensino e pesquisa está tentando minimizar o sofrimento da população da região oeste da Grande São Paulo. Nós até tomamos decisões duras, no PDV [plano de demissão voluntária] nós não incluímos funcionários do Hospital Universitário porque sabíamos que tínhamos que suprir essa deficiência. Vários equipamentos dessa região foram fechados. 

O HU não tem condições físicas, humanas, de conseguir, sozinho, suprir essa deficiência. Quer dizer, ou os responsáveis pela saúde assumem essa responsabilidade ou não vamos resolver o problema.

Hoje 92% ou 93% dos gastos do HU são da USP; 6% ou 7% são do SUS [Sistema Único de Saúde]. Nossos alunos aproveitam o HU? Sim, aproveitam, bastante. Como também os nossos alunos aproveitam o HC [Hospital das Clínicas, ligado ao governo do Estado de São Paulo]. Muito mais que o HU.

Você me fez uma pergunta que eu não sei qual a melhor forma... Se é passar a gestão ou pedir recursos para os órgãos, para as secretarias de saúde. 

Mas o meu ponto de vista é esse: nós estamos fazendo uma coisa que não é nossa função. As reclamações não deveriam vir em cima da USP. Eu acho que nós podemos e temos que recorrer ao apoio da Secretaria de Saúde do Estado, da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo.

Acho também que não podemos deixar de conversar com o Ministério da Saúde, inclusive entendendo por que a transferência de SUS para nós é tão pequena. Porque, por exemplo, no HRAC [Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, em Bauru], SUS para nós é quase um terço das nossas receitas. Então por que aqui é só 7% ou 8%?

Qual porcentagem do orçamento da USP está comprometida hoje com folha de pagamento?

O anual ainda está acima de 93% ou 94%. A meta é conseguirmos chegar a 85%.

O deficit da USP está em quanto?

O deficit previsto para 2018 é em torno de R$ 200 milhões. Digo previsto porque nós estamos conseguindo fazer o remanejamento do ano passado para esse ano um pouco mais favorável do que o esperado.