Presidente precisa dar paz e autonomia para MEC funcionar, diz Mozart Neves
Ele foi convidado a ser ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PSL). E aceitou. Era novembro de 2018, período de transição. O problema é que o convite foi desfeito em seguida em função de uma reação de evangélicos ao seu nome. Com um vasto currículo na área educacional, Mozart Neves Ramos acabou preterido pelo então desconhecido Ricardo Vélez Rodríguez.
Indicado pelo escritor Olavo de Carvalho, Vélez vive em meio a crises em sua equipe desde antes da posse do novo governo. Em pouco mais de três meses de gestão, o MEC (Ministério da Educação) teve mais de 15 mudanças nos principais cargos, e o próprio ministro vive a ameaça de perder o emprego.
Diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos se diz um "soldado da educação" e se apresentou a Vélez no começo do ano. Em entrevista ao UOL, ele afirma que pressões externas como a de Olavo de Carvalho prejudicam o Ministério da Educação. Bolsonaro, de acordo com Neves, precisa dar autonomia e transmitir tranquilidade ao ministro, qualquer que seja ele.
O educador também declara que a instabilidade no MEC coloca em risco a coordenação de importantes políticas da área e que o ministro precisa ter foco na aprendizagem das crianças.
Doutor em Química, Neves foi reitor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), secretário de Educação de Pernambuco, é membro do Conselho Nacional de Educação e autor de livros como "Educação Brasileira: Uma Agenda Inadiável".
Confira abaixo os principais trechos de sua entrevista.
UOL - Que fatores levam o ministro Ricardo Vélez a ter tamanha dificuldade à frente do Ministério da Educação?
Mozart Neves Ramos - As influências externas de diferentes setores têm contribuído para disputas dentro do ministério. O ministro Vélez tem uma ausência da experiência na gestão pública, mas se pelo menos tivesse uma equipe harmoniosa, sem esses disputas internas, ajudaria muito a compensar essa dificuldade. A experiência ajuda a tomar decisões, a falar o que deve ser falado no tempo certo.
Como o governo pode resolver esta crise no MEC?
Cabe ao presidente dizer ao ministro que ele tem autonomia de fato para montar sua equipe. Ele foi desautorizado a indicar seus principais assessores. É necessário que se dê autonomia e tranquilidade para que o ministro possa trabalhar. Com tanta influência, ele [o ministro] não vai conseguir [trabalhar].
Que programas do MEC podem ser prejudicados por esta crise?
A gente se depara com uma situação de instabilidade do corpo técnico e de secretários nos primeiros meses de um governo. Tivemos praticamente quatro secretários executivos nesse período, dois dos quais foram indicados e não chegaram sequer a assumir o cargo por determinação maior do governo, da própria Presidência da República.
A situação é muito preocupante porque um país federativo como o Brasil exige uma articulação central comandada pelo Ministério da Educação e particularmente no ano em que se implementa a Base Nacional Comum Curricular, um esforço de três, quatro anos de diferentes esferas de governo e da sociedade civil indicando quais são as aprendizagens essenciais que todos os alunos do país precisariam ter.
A gente teve na quinta-feira (4) pelo menos uma boa notícia porque foi lançado o pró-Base em Brasília. É a primeira boa notícia em mais de três meses.
O próprio Enem, não só pela falência da gráfica [responsável pela impressão da prova], é um problemão. O MEC tem procurado dizer que está em processo de solução, mas não é tão simples. O Enem merece uma atenção especial.
Outra questão importante é a alfabetização das crianças, que resultou na saída do presidente do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira] numa falta de diálogo interno entre ele, o ministro e o secretário nacional de Alfabetização.
E a gente se preocupa com um ponto central que é a formação de professores. A resolução 2/2015, que trata do tema e está no CNE (Conselho Nacional de Educação), precisa de um caráter de urgência. Sou relator desta matéria, e a gente não pode mais postergar. Pelos impactos que essa resolução traz, é um ponto que exige uma articulação com o Ministério da Educação.
O ministro diz que os livros didáticos de história precisam mudar a versão de que houve um golpe em 1964 e de que houve uma ditadura em seguida. Qual sua opinião sobre a fala do ministro?
Pelo que li, os próprios militares não gostaram, né? O ministro precisa focar sua energia na questão da aprendizagem, a começar da alfabetização das crianças, a questão da qualidade do professor.
Bolsonaro já disse que é preciso desconstruir e desfazer muitas coisas no país, antes de começar a construir. O sr. acha que esta visão foi levada para o MEC? Na sua opinião, o governo, quando assumiu, precisava "desfazer coisas" no MEC?
Um dos grandes problemas da política brasileira chama-se descontinuidade das boas políticas. É muito importante que se mude aquilo que não está dando resultados e que se preserve e se amplie aquilo que dá resultados, como as escolas de tempo integral de ensino médio.
Nem tudo estava errado?
Não. Vamos começar por Paulo Renato [ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso], que fez o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Depois com o [Fernando] Haddad [ministro no governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff], veio o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que é um mecanismo extraordinário de financiamento, de redução de desigualdade.
O sistema de avaliação do Brasil, tanto na educação básica como no ensino superior, é um exemplo para o mundo. A pós-graduação é outro belíssimo exemplo de um sistema construído há décadas. Sem falar na produção científica brasileira. O Brasil está na 13ª posição no ranking mundial, colado com a Coreia do Sul.
O Brasil precisa aprender com o Brasil. O Brasil tem muitos exemplos positivos no campo da educação. Estão aí o exemplo do Ceará na alfabetização, o exemplo de Pernambuco nas escolas de tempo integral do Ensino Médio, os exemplos do Espírito Santo e de Goiás também no campo do Ensino Médio.
O Brasil elevou os gastos com educação nos últimos tempos. Por que ainda não alcançamos os resultados esperados?
Em 2000, o Brasil investia, em média, em dados arredondados do Inep, R$ 2.100 por aluno. Hoje a gente investe R$ 6.300 por aluno ao ano. Triplicamos. Melhoramos muito nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Tem sido uma melhora contínua desde 2003, tanto em Língua Portuguesa como em Matemática, e também na redução do abandono escolar. O Brasil, nos anos iniciais, está fazendo seu dever de casa. Precisaria ter mais velocidade, mas está fazendo.
O presidente Bolsonaro disse que é necessário fazer uma operação Lava Jato da Educação. O sr. concorda com a necessidade de uma grande investigação no setor?
O próprio ministro Vélez, ao procurar o ministro [da Justiça, Sergio] Moro, criou primeiro esse termo. Houve um impacto muito grande nas ações das universidades privadas que têm capital aberto. Houve uma certa insegurança dos investidores. Antes de fazer essa coisa um pouco mais midiática, é fundamental que o MEC explicite quais são as suspeitas.
O que sr. já teve contato com Olavo de Carvalho? Como avalia a influência que ele tem exercido na pasta?
Nunca tive contato com ele. Ele tem um conjunto grande de seguidores e uma influência basilar, do ponto de vista filosófico, junto ao presidente e seus filhos.
O ministro Vélez foi uma indicação do Olavo, e [Olavo] chegou a pedir a cabeça dele semanas atrás. Isso é ruim, esse tipo de pressão quase diária só atrapalha a gestão. Quem quer que estivesse no ministério teria dificuldades.
Em novembro do ano passado, o sr. foi convidado a ser ministro da Educação. O sr. se identifica com o governo e com as declarações do presidente Bolsonaro?
O governo está muito confuso, acho que precisa criar uma harmonia e constituir de fato uma equipe e dizer com clareza os rumos do país. Isso cria um aspecto de falta de coordenação. O presidente precisa trazer mais o time para próximo dele, criar tranquilidade, dar autonomia a setores como a Educação.
Aceitaria conversar com o presidente e participar do governo?
Sou um soldado da educação brasileira. Fiz disso a minha causa. Em primeiro lugar, a gente tem que servir, e não ser servido. O maior exemplo procurei dar logo que o ministro Vélez assumiu. Telefonei para ele e pedi para ser recebido por ele. Fui recebido, me colocando à disposição para ajudar. Nunca me preocupei com cargos.
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