Ação de Bolsonaro na educação é inconstitucional, diz união de secretários
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou ontem ajuda às escolas estaduais e municipais que precisam se adequar à retomada do ensino presencial. Os vetos na medida provisória que flexibilizou o ano letivo por conta da pandemia do novo coronavírus são considerados por secretários municipais de educação um ato de omissão do governo, que abre mão de coordenar a retomada do ensino em todo o Brasil.
Primeiro, o governo vetou a obrigação de dar assistência técnica e financeira para que estados, municípios e o Distrito Federal ofereçam aulas à distância. Depois vetou a mesma assistência para que as escolas retomem as aulas presenciais.
O motivo alegado é que a Emenda Constitucional 106 —citada na medida provisória como a fonte dos recursos— não tem "dotação orçamentária", ou seja, não tem verba prevista.
A emenda de fato não cita valores, mas foi sancionada para "regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia".
"Não dá para usar esse argumento", diz o presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), Luiz Miguel Martins Garcia. "É preciosismo jurídico porque a Emenda trata de financiamento na pandemia. O que ocorre é que a educação está fora da ajuda emergencial na crise."
O governo fecha portas e impossibilita qualquer ação conjunta, o que é inconstitucional
Luiz Miguel Martins Garcia, secretário de educação e presidente da Undime
Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas), Cláudia Costin diz que concorda com Garcia.
"A Constituição é clara: cabe ao governo federal coordenar a política educacional no país", diz ela, que já trabalhou no Banco Mundial e por isso estaria conversando com alguns países.
"Falei com os ministros da Educação na Argentina e Alemanha. São eles quem coordenam a retomada das aulas na pandemia em seus países", afirma. "É como se o nosso governo não tivesse responsabilidade sobre essa coordenação. Um ministro na pandemia deveria pensar nisso de manhã, tarde e noite."
Segundo o secretário Garcia, "a União tem uma rede estruturada que lhe permitiria levar as ações de forma unificada a estados e municípios". "Mas o governo se nega a construir parcerias."
Os vetos tiram da União sua responsabilidade nesse momento de emergência
Luiz Miguel Martins Garcia, secretário de educação e presidente da Undime
Para Costin, da FGV, "o que mais chamou a atenção" foi a recusa governamental em pelo menos prestar ajuda técnica.
"O governo federal poderia usar os exemplos bem-sucedidos de uma região e replicar em outra", exemplifica. "Mas a mensagem dele é que 'não é minha tarefa' sequer dar assistência a estados e municípios."
O Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) enviou ao UOL uma nota em que "lamenta pelo ocorrido com os vetos presidenciais".
"O Conselho reafirma a necessidade de apoio e suporte por parte do Governo Federal", diz. "Esse apoio será primordial para a retomada das atividades presenciais, momento que exigirá uma transição com o menor impacto possível, para minimizar os riscos de evasão e abandono escolar."
A sensação que eu tenho é que o governo entregou essa lei para cada ministério opinar, mas não teve quem olhasse o conjunto. Falta visão de logística
Cláudia Costin, da FGV
Veto à merenda
O presidente também vetou o repasse da merenda ou da verba da merenda às famílias com alunos na rede pública. O primeiro motivo alegado é que já haveria legislação sobre o assunto.
A segunda razão é que "a operacionalização dos recursos repassados é complexa, não se podendo assegurar que estes serão aplicados de fato na compra dos alimentos necessários aos estudantes".
Segundo Garcia, a possibilidade de distribuir a verba da merenda por cartão "viabilizaria uma logística mais prática de entrega" de estados e grandes municípios.
Sobre o assunto, Costin afirma que a legislação citada no veto trata apenas da entrega dos insumos, e não do repasse da verba que estava reservada para as merendas.
"A decisão traz consequências graves ao vetar ajuda a crianças em vulnerabilidade em um período de grave crise", afirma.
Procurado, o Ministério da Educação não respondeu até o fechamento da reportagem.
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