Contra evasão, faculdades privadas apostam em reforço e crédito próprio
Instituições particulares de ensino superior têm apostado em aulas de nivelamento e no oferecimento de crédito estudantil próprio, espécie de financiamento direto proporcionado pela faculdade aos alunos, para tentar diminuir as taxas de desistência nos cursos de graduação.
Dados do Censo da Educação Superior de 2019 —antes, portanto, da pandemia do novo coronavírus —, divulgados na semana passada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), evidenciam o tamanho do desafio. Em dez anos, apenas 37% dos alunos que ingressaram no ensino superior, na rede privada, concluíram a graduação no mesmo curso em que entraram. Outros 62% desistiram do curso em que estavam inicialmente matriculados e 1% ainda não terminou o curso.
Os dados não indicam, necessariamente, que os estudantes tenham deixado o ensino superior nesse período, mas sim que eles desistiram do curso que haviam escolhido inicialmente. É possível, portanto, que os alunos tenham migrado para uma outra graduação.
Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, diz que um dos fatores que contribuem para esse comportamento é a situação financeira dos alunos.
"O que a gente vê é que, quando o aluno não tem o recurso, ele acaba fazendo uma escolha que não é exatamente aquela que ele gostaria de fazer. Ele escolhe o curso muito mais pelo preço, pensando no que ele pode pagar", afirma. Neste cenário, segundo ele, o aluno acaba desistindo por se sentir desmotivado com o curso.
Sólon Caldas, diretor-executivo da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), também vê influências de fatores financeiros nas altas taxas de desistência no ensino superior privado.
Para ele, mudanças recentes realizadas no Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), em especial após 2015, contribuíram para que essa situação se agravasse. Naquele ano, em uma tentativa de conter a inadimplência dos alunos, o governo federal mudou as regras do programa, que teve também uma queda brusca no número de contratos oferecidos.
Se em 2014 foram mais de 700 mil novos contratos, em 2015 o número passou para cerca de 280 mil. As regras foram alteradas, mais uma vez, em 2018. Para 2021 e 2022, a previsão é de 54 mil vagas. "Essa mexida no Fies tirou o cunho social do programa. Ele ficou muito financeiro e diminuiu drasticamente o número de vagas", afirma Caldas.
Em meio a esse contexto, o crédito próprio dobrou entre 2014 e 2017. Segundo o Censo da Educação Superior de 2019, as matrículas na rede superior privada que contam com auxílio do Fies ou do Prouni (Programa Universidade Para Todos) já são minoria entre as matrículas que têm algum tipo de financiamento ou bolsa. Juntas, as matrículas que possuem Fies ou Prouni somam 1.187.475. Já as matrículas com outro tipo de financiamento chegam a 1.831.591.
Defasagem educacional
Capelato afirma ainda que outro fator que contribui para que as taxas de desistência sejam altas no ensino superior privado é a defasagem educacional dos estudantes, principalmente daqueles oriundos de escola pública.
"Infelizmente, a educação básica no país é muito deficitária. Os alunos entram no ensino superior com uma série de deficiências. Dependendo dos cursos, eles não conseguem acompanhar mesmo", afirma.
Por isso, conta, uma das alternativas encontradas pelas instituições particulares de ensino foi o oferecimento de cursos de nivelamento aos alunos —uma espécie de reforço, especialmente em matemática e interpretação de textos, para que os estudantes não fiquem para trás e acabem abandonando o curso.
Segundo ele, essas aulas são gratuitas e costumam ser oferecidas no contraturno, em formato presencial, ou na modalidade EAD (ensino a distância). A medida, afirma, funciona apenas como um paliativo.
"É uma tentativa de minimizar. Mas, mesmo com isso, a desistência é grande. A melhor solução seria o país atacar esse problema da educação básica, que é muito ruim e gera uma distorção em todo o sistema educacional".
Pós-pandemia
Se os dados do período anterior ao ano de 2020 já preocupam, há ainda mais receio com o potencial de evasão e desistência dos alunos devido aos reflexos econômicos e sociais da pandemia do coronavírus no país, que levou à suspensão das aulas presenciais em escolas e universidades de diferentes regiões do Brasil.
"Sem dúvida vai haver aumento na evasão por conta de dois casos: um é a questão financeira, mas também vários alunos não se adaptaram às aulas remotas", diz Capelato. Segundo ele, a estimativa do Semesp é que a taxa de desistência aumente em torno de 14% só na rede privada.
Desistência no ensino público
Esse comportamento, no entanto, não é exclusivo da rede privada: na rede federal, 46% dos alunos que ingressaram no ensino superior em 2010 terminaram a graduação no mesmo curso em que entraram até 2019. Na rede estadual, esse percentual é de 52%.
Em coletiva de imprensa realizada para a apresentação dos resultados do censo, na semana passada, o secretário de ensino superior do MEC (Ministério da Educação), Wagner Vilas Boas, afirmou que a pasta trabalha no desenvolvimento de um projeto de inteligência artificial para o combate à evasão.
"A ideia aqui não é chegarmos ano após ano e verificarmos qual foi o número da evasão, o número de alunos que desistiram do curso superior. A ideia é fazermos uma análise preditiva e entendermos quais os possíveis alunos que poderão desistir do curso nos anos seguintes, e atuarmos para evitar que esse aluno possa desistir do seu curso superior", afirmou.
Segundo ele, o projeto está sendo capitaneado por um laboratório da área de inteligência artificial da UFG (Universidade Federal de Goiás). "Esse projeto já está em andamento. A ideia é implantarmos na nossa rede federal e disponibilizarmos essa tecnologia também para a rede privada, que tem um grande número de evasão e desistência".
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