Prejudica crianças, diz mãe sobre falta de repasses federais para internet
Até o fim do ano passado, os filhos da auxiliar de limpeza Debora Cristina conseguiam fazer as atividades online e ter contato mais rápido com os professores. Com o aumento dos gastos e também na conta de internet — de R$ 100 para R$ 149, ela precisou cortar o plano e os filhos passaram a fazer as atividades impressas disponibilizadas pela escola.
Ela diz reconhecer o trabalho da escola pública em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, para garantir que os filhos façam as tarefas, mas ficou "preocupada" ao saber que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) tenta suspender uma lei que ajudaria alunos como seus filhos a acessarem a internet e, assim, terem melhores condições de aprender durante a pandemia.
"Saber disso me deixa triste e prejudica a educação das crianças, mesmo com toda a força-tarefa dos professores em dar continuidade aos estudos delas", diz Débora.
A lei em questão é a 14.172/2021, que prevê o repasse de R$ 3,5 bilhões do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) aos estados, municípios e ao Distrito Federal para levar internet e equipamentos para professores e estudantes da rede pública e matriculados nas escolas das comunidades indígenas e quilombolas.
Em março, Bolsonaro já havia vetado integralmente a proposta com a justificativa de que o PL não apresentava "a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro" e aumentava "a alta rigidez do orçamento". No entanto, o Congresso derrubou o veto e a lei foi sancionada. No início dessa semana, porém, Bolsonaro entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender a legislação.
Trabalho o dia inteiro, chego em casa e ainda tenho muitas tarefas para fazer. Então, eles acabam ficando apenas com as atividades impressas e é difícil, porque não dá para tirar dúvida com o professor na hora."
Débora Cristina, auxiliar de limpeza
Na cidade, as aulas presenciais ainda não retornaram, então as únicas atividades dos seus filhos são as impressas pela escola. "Comecei a ter mais matérias este ano, como Física e Química, e não sei nada disso. É muito difícil sem internet, sem celular, sem as explicações dos professores", conta Vitória Cristina, de 14 anos, filha da auxiliar de limpeza.
Como Lucas, 8, seu irmão está no 3º ano, na fase de alfabetização, ela consegue ajudá-lo ao longo do dia, mas acaba se prejudicando nas demais tarefas. "Tenho medo de ficar atrasada [nos conteúdos] e de isso me prejudicar em conseguir um emprego no futuro", desabafou a adolescente.
Quem também está preocupada com o futuro é a estudante Maria Vitória Silva dos Anjos, 15. Na sua casa nunca teve internet até que sua tia e vizinha instalou uma conexão e disponibilizou a senha para ela. "A gente mora na zona rural, então precisamos ficar perto da janela para conseguir usar. Para assistir aula não adianta muito", conta.
Moradora do povoado de Churé, em Seabra (BA), Maria disse que se sente "agoniada" e "impotente" por não conseguir entender os conteúdos. "Fui para o Ensino Médio faltando alguma coisa [de conhecimento], acho que não aprendi o suficiente, porque sem internet, fica tudo mais difícil", conta.
Ela sonha em fazer faculdade, mas com o que tem aprendido apenas com os materiais impressos acredita que não conseguirá.
Em nota, a Frente Parlamentar Mista da Educação disse que o governo tenta "a todo custo" impedir o acesso à internet aos alunos e professores e que "mais uma vez, tenta justificar um problema fiscal" para derrubar a lei.
2,2% das escolas municipais ofereceram internet aos alunos em 2020, diz Inep
Uma pesquisa divulgada quinta-feira pelo Inep sobre a resposta educacional na pandemia apontou que 2,2% das escolas municipais do Brasil e 21,2% das estaduais ofereceram internet gratuita aos alunos.
O levantamento também indicou que 4,3% das redes municipais disponibilizaram equipamentos como notebook, tablets ou celular. Nas estaduais, a taxa foi de 21,2%.
Na quinta-feira, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, voltou a falar sobre o tema de conectividade em suas redes sociais. Ele afirmou que o governo Bolsonaro tem o "compromisso" de apoiar a conectividade dos alunos e desde 2019 investiu "mais de R$ 863,9 milhões em programas que permitem o acesso à internet de nossos estudantes, do ensino básico ao superior".
A reportagem procurou o Ministério da Educação, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
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