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Pipoqueiro cumpre sonho e se forma professor: 'A educação me salvou'

Samuel Cardoso Brito com o diploma e ao lado da esposa, Maria de Fátima Paixão, 62 - Arquivo Pessoal
Samuel Cardoso Brito com o diploma e ao lado da esposa, Maria de Fátima Paixão, 62 Imagem: Arquivo Pessoal

Dyepeson Martins

Colaboração para o UOL, em Macapá

27/03/2022 04h00Atualizada em 27/03/2022 07h31

Vendendo pipoca durante o dia e estudando à noite. Foi assim que Samuel Cardoso Brito, 52, conseguiu realizar o sonho de se formar no curso de Letras e virar professor, com direito a licenciatura em inglês. A decisão de voltar a estudar, segundo ele, foi a maneira encontrada para mudar a vida da família e melhorar a educação da região onde vive, no distrito de Boa Vista do Cuçari, em Prainha, interior do Pará.

As fotos de Samuel em frente ao carrinho de pipoca, segurando o canudo com o diploma e vestindo a beca de formatura, repercutiram nas redes sociais. Embora tenha concluído o curso superior em janeiro deste ano, as imagens só foram publicadas dois meses depois.

No início de 2022, ele também foi aprovado num concurso para professor da rede municipal de ensino, onde começará a dar aulas na segunda-feira (28).

"A nossa comunidade aqui é muito carente de professor de português e inglês, eu queria mudar isso", contou ele, que fez aulas a distância por conta das dificuldades para chegar à universidade, ao UOL.

Até cheguei a passar no Enem. Mas, para fazer presencialmente, iria ter que pagar aluguel, luz, todas essas coisas iriam sair quase mil reais. Aí pensei: 'Não, vou para o interior e estudo a distância'. Foi o que fiz

samuel - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Samuel Cardoso Brito com o diploma e seu carrinho
Imagem: Arquivo Pessoal

O curso foi iniciado em 2015, mas não foi concluído nos quatro anos previstos por causa de problemas financeiros. Contudo, a mensalidade de quase R$ 500 e o cansaço do trabalho, em pé empurrando o carrinho de pipoca, não desanimaram Samuel.

"A rotina era pesada e precisei de disposição. Tem que estudar mesmo para aprender, e eu fiz esse desafio".

Até os 40 anos, Samuel havia estudado somente até a 1ª série. "Eu já tinha até passado num concurso do município, mas não tinha estudo nenhum para assumir a vaga", afirmou ele. Foi então que, com o apoio da esposa e dos filhos, o agora professor se matriculou para aulas no EJA (Educação de Jovens e Adultos). A partir daí, Samuel disse que passou buscar novos caminhos para o futuro.

A educação me salvou, foi a minha salvação. Se eu não tivesse na educação, quem sabe o que eu seria? Poderia ter voltado para o garimpo.

Samuel chegou a trabalhar com a extração de ouro para sustentar a família.

"Ela mudou o meu rumo. Só de você ver os garotinhos vindo em ti e dizendo que querem estudar, que querem ser uma pessoa que nem eu. Imagina um negócio desses?", destacou, enquanto preparava as aulas para alunos do 6º ao 9º ano. "Estou até ansioso", completou Samuel, sobre começar a lecionar.

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Samuel Cardoso Brito atingiu o sonho de virar professor
Imagem: Arquivo Pessoal

"Cantei Hey Jude"

O curso feito por Samuel tem licenciatura em inglês, o que o levou a apreciar estilos musicais diferentes do que estava habituado a ouvir. Durante as aulas, passou a escutar bandas de rock e cantores renomados, como Elton John, para assimilar os conteúdos e melhorar o aprendizado em língua estrangeira.

"No primeiro dia de aula eu comecei logo na música. Ali eu estudava e aprendia Letras. 'Hey Jude', 'Have You Ever Seen The Rain', 'Stand by me', todas essas", lembrou Samuel, sobre as canções de Beatles, Creedence Clearwater Revival e Ben E. King, respectivamente. "Também escutava muito Elton John. Não importava se eu estava fluente ou não, eu ia no rumo e cantava até no karaokê".

"O professor e o pipoqueiro"

Samuel nasceu em Icaraíma, no Paraná, e chegou ao Pará na adolescência. Ele precisou exercer diversas atividades para sobreviver: engraxate, catador de recicláveis, vendedor de picolé, entre outras.

Mesmo após se tornar professor, Samuel disse que pretende continuar a vender pipoca aos fins de semana, pois tem orgulho do ofício que lhe rendia cerca de um salário mínimo por mês. Ele revelou ter começado a escrever um livro sobre a história de superação. A obra já tem título: "O professor e o pipoqueiro".

Já até comecei a escrever algumas partes. Vou me inspirar no Fernando Pessoa, que criava heterônimos, personagens fictícios de uma pessoa que era ele mesmo. A história não pode parar, quero ser um exemplo.