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Professora revela mais torturas em escola de SP: 'Vi criança em pé por 5 h'

Vídeos divulgados nas redes sociais mostram crianças amarradas dentro de um banheiro na escola Colmeia Mágica - Reprodução/Redes sociais
Vídeos divulgados nas redes sociais mostram crianças amarradas dentro de um banheiro na escola Colmeia Mágica Imagem: Reprodução/Redes sociais

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/03/2022 10h47Atualizada em 28/03/2022 16h45

A Polícia Civil começou a ouvir na última semana as funcionárias da Escola Infantil Colmeia Mágica, na zona leste de São Paulo, que revelaram castigos e torturas praticados em crianças pela diretora. Em novos relatos, noticiados pelo "Fantástico", da TV Globo, professoras revelaram que já testemunharam crianças serem obrigadas a ficar 5 h em pé no local.

Vídeos feitos secretamente pelos funcionários mostraram os pequenos com os braços imobilizados, como se usassem "camisa de força", e presos a cadeirinhas de bebê no banheiro da escola, alguns dormindo e outros chorando. Muitas crianças chegavam em casa com machucados no corpo e com dificuldades para respirar.

Os novos relatos foram feitos por professoras que preferiram manter as identidades no anonimato, por medo de represálias. De acordo com elas, a diretora, Roberta Serme, e a irmã dela, Fernanda, recebiam as crianças no portão da escola sem deixar os pais entrarem no local. Os funcionários recebiam ordem das proprietárias da escola para não deixarem os familiares passarem do portão e nem terem contato direto com eles.

Frequentemente, segundo elas, a diretora ordenava uma série de maus-tratos contra crianças que faziam o que ela considerava mau comportamento ou desobediência. Em seu depoimento, uma das professoras afirmou que Roberta não suportava o choro dos menores e os ameaçava com castigos severos.

"Essa questão do choro incomodava muito ela. Era uma coisa assim fora do normal. Ela ficava muito brava. E muitas vezes a gente teve que abraçar as crianças para abafar o choro para que ela não ouvisse", disse uma das professoras.

Cantinho do pensamento

Ex-professoras e uma auxiliar de limpeza contaram que na entrada da sala da diretora, havia o "cantinho do pensamento", no qual a criança que chorasse ou fizesse algo errado era obrigada a ficar ali de pé por horas. "Eu já presenciei criança ali ficar em torno de quatro, cinco horas, em pé", disse uma funcionária. "A criança simplesmente não foi até lá para pensar e ficou. Era um desespero porque tinha criança que olhava para mim e já começava a chorar e dava os bracinhos para eu pegar. Só que ela [Roberta] não deixava pegar".

Na acusação, as testemunhas apresentaram à polícia imagens de um menino dormindo encostado na parede e com as mãos para trás. A diretora Roberta confirmou em depoimento à polícia que a imagem é de sua sala, mas não havia percebido a presença da criança, que provavelmente pegou no sono enquanto estava no castigo. Fernanda Serme, irmã de Roberta, cuidava do aluno. Ela disse em depoimento que a razão para ele ter sido castigado daquela maneira foi resistência em comer.

Essa prática também era usada em crianças que tinham dificuldade de deixar as fraldas. Segundo uma professora, Roberta havia ficado furiosa com uma menina que havia feito xixi no uniforme. No dia seguinte, encontrou a mesma criança sozinha no banheiro da sala dos professores e sentada no vaso sanitário. A professora contou às autoridades que a menina ficou naquela condição das 7h30 até as 13h e chorava muito e se segurava no vaso para não cair. Algumas vezes, dizem as testemunhas, a diretora medicava as crianças para que parassem de chorar.

Em muitas ocasiões, as crianças mais novas que choravam muito saíam do berçário, eram amarradas com lençóis e colocadas no banheiro, por ordem das proprietárias da escola. A porta geralmente era fechada e a luz apagada. Elas ficavam confinadas no local apertado e sem ventilação até dormir ou parar de chorar.

Durante o depoimento, uma professora revelou que Roberta torturava psicologicamente as crianças ao negar alimento. No "Dia da Pizza", data na qual o lanche era servido aos alunos, com dinheiro dado pelos pais, Roberta servia a pizza numa única mesa com todas as crianças juntas e entregava fatias apenas para os alunos pagantes, deixando os demais passando vontade.

Esse ato era repudiado pelas professoras, que o classificaram como "desumano". Muitas se demitiram da escola logo após coletarem provas das torturas contra os menores e as entregarem à polícia. Elas também denunciaram constantes intimidações das gestoras sobre os demais funcionários, para que as infrações ficassem em sigilo.

Indignação

Em entrevista ao "Fantástico", Leonardo e Vitória Costa, os pais de um aluno filmado amarrado no banheiro, afirmaram que ficaram devastados ao verem a imagem do filho naquela situação.

"A gente achava que elas cuidavam dele. Saber que um cobertorzinho estava sobre o rosto dele foi muito dolorido", disse Leonardo. O pai também disse que ficou furioso com as professoras terem ficado em silêncio por muito tempo, mas depois, compreendeu o lado delas.

"Eu confesso que, no primeiro momento, eu julguei as professoras: 'Por que não fizeram a denúncia antes?'. Mas agora eu vejo que elas passaram um sufoco lá dentro", afirmou ele.

"E se não fossem elas, não estaríamos sabendo de nada até agora", declarou Vitória.

Na investigação, a Polícia Civil concluiu que as crianças que estudavam na escola foram submetidas a intenso sofrimento físico e mental.

Na última semana, foi decretada a prisão temporária da diretora Roberta Serme, para que ela não atrapalhasse as investigações. Ela está foragida e negou ter praticado abusos. Em depoimento, ela e a irmã disseram que os procedimentos da escola são humanizados e que fugiam dos padrões da educação infantil.