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D. Pedro no cavalo: nem tudo é verdade no quadro da Independência no Brasil

Independência ou Morte, por Pedro Américo, óleo sobre tela, 1888 - Reprodução
Independência ou Morte, por Pedro Américo, óleo sobre tela, 1888 Imagem: Reprodução

Matheus Brum

Colaboração para o UOL

07/09/2022 04h00

Neste 7 de setembro, o Brasil comemora o bicentenário da Independência. Há 200 anos, a história conta que D. Pedro 1º, às margens do rio Ipiranga, declarou que o Brasil seria um Estado independente. E que neste momento bradou: "Independência ou Morte".

A imagem deste momento está retratada no quadro de Pedro Américo, finalizado em 1888 a pedido de D. Pedro 2º, filho de D. Pedro 1º. Na pintura, que está em exposição no Museu do Ipiranga, aparece o primeiro imperador brasileiro sobre um cavalo, de espada erguida, ao lado de dezenas de homens.

No entanto, passados 200 anos, as concepções da Independência do Brasil mudaram. Diversos estudos na área foram feitos. O UOL traz alguns pontos importantes sobre esse momento histórico do Brasil.

Momento histórico

A Independência do Brasil foi um processo construído. À época, D. Pedro 1º sofria forte pressão de Portugal para retornar à metrópole, após uma série de medidas que abriu o Brasil economicamente e alçou o país à condição de Reino, ao lado de Portugal e Algarves.

Diante desse impasse, já que os portugueses queriam restringir a liberdade econômica brasileira e retornar o país à condição de colônia, além de diminuir os poderes de D. Pedro, forçando-o a retornar à Europa, que o Brasil proclama a Independência.

"É um episódio que corresponde ao fim do domínio português sobre o Brasil, principalmente nas relações econômicas e política. Um dos mais importantes da história do país", explicou a historiadora Luciene Carris, em entrevista ao site da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Às margens do Ipiranga

A Independência realmente foi proclamada às margens do Ipiranga. E há relatos de pessoas que estavam na caravana de D. Pedro 1º que a célebre frase "Independência ou Morte" realmente foi dita.

Apesar da importância histórica do momento, o quadro de Pedro Américo não é 100% fidedigno ao que realmente ocorreu em 7 de setembro de 1822.

D. Pedro estava em São Paulo, voltando de Santos, no litoral, para conter manifestações e acalmar os ânimos dos descontentes com o então cenário político. Segundo testemunho do padre Belchior Pinheiro, que integrava a comitiva, D. Pedro recebeu de mensageiros uma série de cartas que o deixaram com raiva. Ele amarrotou os papéis e pisou-os e deixou-os na relva —então não estava sobre o cavalo.

"O terreno não era assim elevado, mas Pedro Américo gostaria de elevar a cena. Nada melhor do que colocar o príncipe no alto de uma colina. O príncipe também não estava montado em um cavalo. Pedro Américo sabia disso, porque viagens de longa distância eram todas vencidas em lombo de burro. À esquerda, está o povo. O povo é negro, o povo está descalço. O povo anda na contramão. A gente pode ver que a Independência está vindo por aqui e ele está indo para lá. A história que nós guardamos é essa história de uma proeminência masculina, branca, europeia da nossa Independência. Como se o povo estivesse assistindo a tudo apaziguado, calado, quando as pesquisas recentes vêm mostrando que não, que esse protagonismo, no mínimo, tem que ser dividido", disse a historiadora e escritora Lilia Schwarcz, em entrevista ao Jornal Nacional.

D. Pedro era um homem progressista

D. Pedro 1º passou para a História como um homem progressista, à frente de seu tempo, por ter declarado a Independência do Brasil, por ter promulgado uma Constituição e também por ter respeitado as liberdades presentes na época em que viveu.

"O que estava sendo revolucionado no mundo, com os iluministas, com as ideias que corriam o mundo, era por uma mudança nessa mitologia em torno dos reis. Essas mudanças eram cheias de contradições —D. Pedro foi um produto dessas contradições", explica a historiadora Isabel Lustosa, autora de D. Pedro I: Um Herói sem nenhum caráter, em entrevista à Agenda Bonifácio.

Segunda ela, naquele contexto, ele era um príncipe moderno. "É assim que a Europa, quando D. Pedro desembarca na França e depois circula pela Inglaterra, o recebe: como um homem à frente de seu tempo, que havia dado uma Constituição para um país atrasado, como Portugal, e também para 'aqueles índios do Brasil', como nos viam."

Importância da imperatriz Leopoldina

D. Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro, e primeira imperatriz brasileira, teve importância fundamental na Independência do Brasil. Pertencente à Família Habsburgo, uma das mais importantes da Europa, casou-se com Pedro em um acordo que tinha como objetivo expandir a influência da família para o "Novo Mundo".

"Leopoldina era uma princesa de Habsburgo, não era uma arrivista, que queria se dar bem na vida e se deu mal. Ela veio por meio de um acordo, representando o império do pai dela. Ela vem achando que era digna de fazer grandes coisas por esse país com essa aliança", explica a psicanalista, jornalista e escritora Maria Rita Kehl, em entrevista à Agenda Bonifácio.

Em agosto de 1822, Leopoldina assumiu como regente do Brasil enquanto D. Pedro viajava para São Paulo. É ela que, em 2 de setembro, envia uma carta ao então príncipe regente e o aconselha a proclamar a Independência do Brasil.

"Ela viu que era mais interessante, para ela e seu marido, permanecer no Brasil e fazer um pacto com os brasileiros. Isso porque os brasileiros, ao contrário dos portugueses, não estavam se propondo a submeter o príncipe, como D. João 6º ficou submetido à Assembleia portuguesa. Ela achava que era mais vantajoso e trabalhou decisivamente — as cartas dela para a família demonstram isso. Ela sempre foi muito discreta, permanecendo sempre nos bastidores. E realmente teve um papel importante na história do Brasil naquele primeiro ano da independência", explicou Lustosa.

José Bonifácio, o 'patriarca da Independência'

Outro nome importante na construção da Independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva era um dos homens mais próximos de D. Pedro 1º e D. Maria Leopoldina em 1822. A ele será dado a alcunha de "Patriarca da Independência".

Na visão da historiadora Mary del Priore, que escreveu a obra "As vidas de José Bonifácio", uma biografia sobre ele, Bonifácio era um homem complexo, que articulou a Independência por meio das elites brasileiras.

"Ele vai costurar a independência do Brasil com as linhas mais arcaicas possíveis, porque vai fazer, obviamente, uma aliança com os grandes proprietários de escravos, cafeicultores", explicou a historiadora na mesma entrevista. "É difícil pensar num José Bonifácio que seja só herói, que seja amiguinho de Dom Pedro, Leopoldina, não foi bem assim."

Segundo ela, as ambiguidades existem e ele era um homem complexo. "O importante não é exagerar nos louvores a ele, mas sim mostrar que são esses homens complexos que fazem a grande história, e é o caso dele."