EAD, verbas sindicais e eleições: os interesses na reforma do ensino médio
As redes sociais simplificam a disputa na educação a um Fla-Flu político. Vira o quepe das escolas cívico-militares do bolsonarismo contra a barba de Paulo Freire da esquerda. Mas isso é uma cortina de fumaça que esconde interesses políticos e econômicos por trás da reforma do ensino médio.
O que aconteceu
O projeto da reforma deve ser votado amanhã na Câmara. Durante duas semanas, o UOL perguntou a parlamentares dos dois campos políticos quais os interesses em cada proposta.
Houve acusações mútuas entre direita e esquerda. Elas passam por verbas do MEC (Ministério da Educação), financiamento de sindicatos e nichos eleitorais e motivam ambos os lados a defender determinado modelo.
Os interesses por trás da proposta da esquerda
A esquerda prioriza o aprendizado de disciplinas tradicionais. O entendimento é se concentrar em entregar um básico bem feito.
A flexibilização é contemplada, mas numa velocidade menor. O entendimento é que falta estrutura para quatro opções de aprofundamento, como quer a direita.
Também defende que começar com duas opções de aprofundamento significa um ensino de melhor qualidade. A velocidade menor ainda permitiria preparar a estrutura das escolas.
A atuação da esquerda atende a três interesses, de acordo com políticos de direita ouvidos pelo UOL. Dois setores da esquerda querem 13 disciplinas tradicionais na grade curricular. A parte corporativista da reivindicação partiria de professores universitários.
Já os departamentos de educação das faculdades querem manter a prerrogativa de preparar os professores que vão atuar no ensino médio. Desta maneira, ditariam o conteúdo e os valores transmitidos em sala de aula.
Professores e profissionais da área de humanas, como história, filosofia, sociologia, são considerados "agentes ideológicos". Eles pregam a continuação destas disciplinas na grade curricular para "defender uma narrativa", alega a direita.
Para a direita, o projeto do ministério é um guarda-chuva dos interesses da esquerda. Isso incluiria até sacrificar o ensino técnico.
O MEC propôs 2.400 horas de aulas de matérias tradicionais —o total do ensino médio é de 3.000 horas, distribuídas nas 1ª, 2ª e 3ª séries. Para a direita, isso foi pressão desses dois setores pelas 13 disciplinas.
Além disso, haveria interesse dos sindicatos de professores para continuar elegendo os diretores de escola. Na chefia, eles atuariam para aumentar o financiamento das entidades sindicais e pressionar a participar de atos da esquerda.
A manutenção do poder sindical também estaria por trás da resistência em contratar pessoas com notório saber —como um engenheiro ensinar matemática, por exemplo, já que isso permitiria substituir professores alinhados à esquerda por profissionais com outros valores e filiados a outros sindicatos.
Os interesses por trás da proposta da direita
A direita tem dois conceitos em sua proposta de reforma do ensino médio. Ambos estão alinhados a uma visão mais liberal do mundo.
O primeiro é oferecer uma educação voltada a preparar bons profissionais. Seus integrantes alegam que o ensino técnico forma mão de obra capaz de evitar subempregos.
O outro princípio seria a possibilidade de flexibilização das aulas. A direita entende que o aluno tem melhor aproveitamento se estudar disciplinas com que tem mais afinidade.
Para a esquerda, a direita tem mais interesses econômicos do que políticos na reforma do ensino médio. Por isso o modelo proposto levará ao repasse de dinheiro do MEC para a iniciativa privada. Existem três caminhos para forçar isso a acontecer:
Priorizar o ensino técnico. Carente de laboratórios e de professores de disciplinas técnicas, os governos se veriam obrigados a contratar grupos empresariais.
Abrir brecha para universidades particulares receberem recursos. Professores precisarão ser treinados porque a proposta da direita permite que alunos aprofundem os estudos em disciplinas que têm mais afinidade. A alta demanda obrigaria a contratar faculdades privadas.
Impulsionar a venda de equipamentos de ensino a distância. Como pequenas cidades não possuem faculdades, a alternativa viável seria treinar os professores por EAD.
Com cursos a distância, estados e prefeituras precisariam comprar equipamentos. Seria mais uma forma de o dinheiro público ir parar nas mãos de empresas.
A esquerda ainda critica a uberização dos professores. Contratar profissionais com notório saber limitaria o envolvimento sindical e ignoraria direitos trabalhistas, um dos pilares da esquerda.
Outra consequência seria estrangular financeiramente os institutos técnicos, que passariam a competir por fatias do orçamento com grupos privados contratados para fazer o ensino técnico. Historicamente, instituições de educação federais têm militância na esquerda.
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