Livro que bolsonaristas tentam censurar no RS foi escolhido sob Bolsonaro

Vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, o livro "O Avesso da Pele" tem sido alvo de tentativa de censura por grupos bolsonaristas nos últimos dias por fazer parte da lista do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). A obra foi incluída no programa durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

O que aconteceu

As críticas ao livro começaram após a publicação, em redes sociais, de uma diretora de uma escola do Rio Grande do Sul. "Lamentável o governo federal, através do MEC [Ministério da Educação], adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio", escreveu em seu perfil.

O livro premiado é do escritor e professor Jeferson Tenório, colunista do UOL. Na obra, ele retrata a história de um jovem negro que teve o pai, um professor de literatura também negro, morto pela polícia em Porto Alegre — o racismo e a violência são temas centrais da narrativa.

A obra foi incluída no programa por meio de uma portaria de setembro de 2022 após passar por uma seleção do edital de 2019, segundo a Secretaria de Comunicação. O livro foi aprovado para ser ofertado aos alunos do ensino médio junto de mais de 500 outras obras literárias.

Com a publicação da diretora, políticos bolsonaristas e perfis apoiadores do ex-presidente também criticaram a oferta do livro nas escolas. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) disse que a obra tem "trechos com descrições explícitas de atos sexuais".

Os críticos também afirmaram que a escolha do livro foi feita pelo governo Lula (PT). O PNLD, no entanto, dá autonomia para que os professores e gestores escolares façam a seleção das obras que querem receber.

Tenório lamentou a tentativa de censura ao livro e afirmou que as "distorções e fake news" são estratégias da extrema-direita para promover a desinformação.

O mais curioso é que as palavras de 'baixo calão' e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras
Jeferson Tenório, autor de "O Avesso da Pele"

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O livro faz parte também das obras literárias abordadas no vestibular do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), considerado o mais difícil do país.

Governo do RS diz que não orientou retirada de livro

Após a publicação da diretora, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação chegou a orientar a retirada do livro das bibliotecas das escolas. Ao UOL, a secretaria da Educação do estado afirmou que não orientou a retirada da obra.

Segundo a pasta, a 6ª coordenadoria vai seguir a orientação e "providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários". "O uso de qualquer livro do PNLD deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores", diz nota enviada à reportagem.

Mais de 250 escritores, artistas e intelectuais se uniram para denunciar a censura sofrida por Tenório. "Ferem de morte a democracia, o direito de um autor se expressar, tiram a oportunidade de alunos entrarem em contato com textos escritos que foram observados e selecionados por comissões especializadas e preparadas para levar qualidade ao ensino", diz nota do grupo.

Como funciona o PNLD

O PNLD é um programa de mais de 80 anos e é avaliado positivamente por especialistas e pela comunidade escolar. Os livros incluídos passam antes por avaliação de professores, mestres e doutores que fazem parte do banco de avaliadores do MEC.

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As escolas têm acesso a um catálogo após a aprovação dos especialistas. Os próprios professores municipais e estaduais fazem as escolhas das obras, que também têm a autorização dos gestores escolares.

O programa tem 95% de adesão das redes de ensino do país, segundo o MEC. A permanência no PNLD é voluntária.

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