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"Jogos são mais efetivos na avaliação do que as provas", diz Jennifer Groff

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Imagem: Reprodução

Alex Gomes

Especial para O Estado

12/05/2019 10h14

Os jogos são mais eficazes do que as avaliações tradicionais para mensurar o aprendizado de competências como colaboração, resolução de problemas e pensamento sistêmico. A opinião é da especialista norte-americana em Educação Jennifer Groff, autora do estudo "Os Potenciais dos Ambientes Baseados em Jogos para Dados de Aprendizagem Integrados e Imersivos".

Pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Jen também é diretora pedagógica da Lumiar, rede de escolas com unidades na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil.

No ano passado, ela foi nomeada uma das cem maiores influenciadoras em tecnologia da educação pela revista "Ed Tech Digest".

Você defende que os jogos permitem a avaliação das competência do século 21 com mais facilidade do que os métodos de avaliação tradicionais. Que competências seriam e por que isso acontece?

Muitas das principais competências que são discutidas atualmente - como colaboração, resolução de problemas, pensamento sistêmico e outros - são difíceis de mensurar, principalmente com o uso de formatos tradicionais de avaliações, que são, em geral, eficazes para aferir conhecimentos ligados a conteúdos. Essas competências que priorizamos hoje não são sobre o conhecimento de algo, mas preferencialmente como você aplica suas habilidades em um domínio específico, em um contexto real. Como os jogos digitais são ambientes simulados e microcosmos, eles funcionam como um rico contexto para que os estudantes usem habilidades e competências. E, como são ambientes digitais, eles nos possibilitam coletar dados sobre as aptidões demonstradas. É um processo de mensuração de aprendizado mais efetivo do que uma prova.

Geralmente, os games são usados como ferramenta de apoio, complementar às aulas. Eles poderiam ocupar todo o tempo da aula, como ferramenta principal?

Claro. Há diversos exemplos nos quais professores talentosos usaram jogos digitais complexos como Civilization ou Diplomacy por várias semanas, durante as quais os estudantes trabalharam em equipes para explorar uma série de conceitos e habilidades. Existem muitos jogos excelentes que podem ajudar a aplicar grande parte do currículo. Dito isto, acredito que os jogos são uma das muitas ferramentas pedagógicas com fortes evidências que apoiam a sua eficácia. Mas, apesar de poderosos, não devem ser a única estratégia para instrução. Criar um ambiente de aprendizagem forte é usar uma gama de ferramentas pedagógicas, bem como definir as mais efetivas que os alunos precisam a cada momento. O ambiente de aprendizado deve ser integrado e holístico.

Os custos para implantação e manutenção de infraestrutura para games em sala de aula costumam ser altos. O que as instituições podem fazer para lidar com esse desafio?

Os custos podem ser altos, mas nem sempre são. Já há alternativas. Existem diversos jogos digitais muito bons que são gratuitos na internet e apenas requerem equipamento e conexão para acessá-los. Sites como www.brainpop.com/games e www.gearlearning.org proveem acesso livre a muitos que podem ser utilizados online ou baixados como aplicativos em dispositivos móveis e jogados offline. Mesmo os jogos comerciais, muitos deles já são oferecidos de forma online, enquanto anteriormente quase sempre eram exigidas tecnologias ou dispositivos específicos. Uma escola ou uma rede de ensino pode identificar um número de recursos pedagógicos com base em games que valorizam e desejam utilizar, analisar quais requisitos técnicos eles têm em comum e, assim, adquirir as tecnologias que mais eficientemente atendem a tais necessidades e estão em seus orçamentos.

Temos espaço para implementação dos jogos em larga escala, como na rede pública? No Brasil, são cerca de 40 milhões de alunos na educação básica.

Absolutamente. As escolas precisam apenas de conexões à internet e alguns aparelhos - como laptops e tablets - que permitam aos estudantes utilizá-los pelo menos em parte da semana. Como mencionado anteriormente, existem muitos bons jogos digitais educativos que são grátis ou custam pouco ao estudante. Fornecer uma formação profissional introdutória aos educadores sobre como usar os games como ferramentas educativas também pode ser muito útil - mas de modo geral é absolutamente algo que pode ser implementado nacionalmente em todo o Brasil.

No Brasil, a formação dos professores é um grande desafio. Os jogos também podem auxiliar nessa tarefa? De quais formas?

Os jogos podem ser poderosos ambientes de aprendizado para alunos de todas as idades, inclusive alunos-professores. Eu mesmo conheço vários projetos relacionados a essa formação de docentes por meio de jogos, como o simSchool e o Laboratório de Sistemas de Ensino do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Eles criam ambientes baseados em jogos para ajudar os professores a desenvolver suas habilidades em várias áreas relacionadas à prática em sala de aula.

Hoje, as avaliações são padrão. No artigo, você defende que os jogos possibilitam que o aprendizado seja aferido com mais exatidão e de forma mais individualizada. Como se dá isso e quais as vantagens dessa avaliação mais personalizada?

Ambientes baseados em jogos digitais criam a oportunidade para essa avaliação personalizada em diversos aspectos. Primeiramente, como são ambientes imersivos intimamente relacionados com contextos do mundo real, eles refletem de modo mais acurado problemas reais e, consequentemente, mensuram com mais precisão a forma de aplicação das habilidades e conhecimentos dos estudantes. Além disso, em vez de termos o estudante sentado para um teste formal uma vez ao mês, os jogos digitais são dinâmicos e responsivos, capazes de coletar dados sobre o aprendizado de forma mais holística e de um modo contínuo.

Aprendizagem e avaliação aconteceriam de forma simultânea...

Isso. A aprendizagem e as avaliações devem estar em um firme circuito de feedback, guiando o aprendiz em tempo real no seu caminho de aprendizado. Formas tradicionais de aprendizado não são capazes de fazer isso. Elas colocam grande quantidade de estresse no aluno e criam uma disrupção nos ciclos dos ambientes de aprendizagem. Quando os dados são coletados e utilizados em tempo real nesses ambientes digitais, nós temos uma imagem bem mais rica e dinâmica do estudante. Além disso, o estudante é também guiado de forma mais eficiente no seu aprendizado: o sistema responde aos dados que está coletando sobre o aluno e modifica o ambiente de aprendizagem (experiência de jogo digital), com base no que está aprendendo sobre o aprendiz. É uma personalização eficaz.

As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".