Despreparo emocional pode prejudicar estudantes brasileiros tanto quanto falta de conhecimento
Desânimo, falta de motivação e despreparo emocional podem responder por grande parte do desempenho ruim dos alunos brasileiros no Pisa, teste internacional de educação no qual, na avaliação mais recente, em 2015, o Brasil ficou na 63ª colocação em ciências, na 59ª em leitura e na 65ª em matemática, entre 70 países. Além de errar muitas respostas, muitos dos alunos brasileiros sequer terminam a prova.
A explicação para o resultado ruim - que é bem pior até mesmo que o de vizinhos latinos, como a Colômbia - parece ir além da falta de conhecimento dos estudantes sobre o conteúdo.
Além das respostas erradas, os estudantes brasileiros gastam muito mais tempo em cada questão na comparação internacional, de acordo com estudo divulgado hoje pelo Insper que indica que os brasileiros dedicam em média quase 3 minutos a cada questão, contra 1 minuto do aluno da Finlândia, por exemplo, e 2 minutos do aluno colombiano. E a última questão do primeiro dos dois blocos do exame não foi resolvida por 61% dos brasileiros, índice muito superior aos de finlandeses (6%) e até mesmo ao de colombianos (18%).
Tais sinais estão no estudo recém-lançado Por que o Brasil vai mal no Pisa? Uma análise dos Determinantes do Desempenho no Exame, de coautoria do pesquisador Naercio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas (CPP) do Insper e Ph.D. em Economia pela University of London.
A pesquisa indica que, assim como a falta de conhecimento e as falhas no aprendizado do conteúdo, a ausência das chamadas habilidades socioemocionais - por exemplo, perseverança, motivação e resiliência do aluno na hora de fazer as provas - parece responder por parte considerável da performance dos alunos brasileiros.
"Essas habilidades indicam quão perseverante e resiliente é o jovem, como ele reage quando alguma coisa dá errada. E isso parece ser tão importante quanto as habilidades tradicionais como inteligência, conhecimento, raciocínio e memória", explica Menezes, especialista em educação e políticas públicas.
E tais habilidades, segundo especialistas internacionais que estudam o tema, têm um impacto que vai muito além da nota da prova: podem afetar toda a vida profissional futura desses alunos, além do crescimento de todo o país.
"Os 'economistas da educação' têm entendido que as habilidades socioemocionais são muito importantes para explicar não só desempenho escolar, mas toda uma série de indicadores futuros, como desemprego, informalidade, criminalidade, uso de drogas", prossegue Menezes, citando uma famosa estimativa do economista americano James Heckman, que calculou que cada dólar investido no fomento dessas habilidades nos primeiros anos das crianças resulta na economia posterior de até US$ 7, por seu impacto na produtividade e no bem-estar emocional dessas pessoas quando adultas.
Embora o pesquisador diga que, intuitivamente, o papel das habilidades emocionais na educação sempre tenha sido considerado pelos educadores, a ciência tem avançado nas últimas décadas em medir os impactos delas no aprendizado e na economia de um país.
Conteúdo e perseverança
32 mil alunos brasileiros de 964 escolas participaram da prova do Pisa 2015. Aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o exame é tido como a principal régua internacional para comparar a qualidade do ensino entre os países. Nesta edição, explica Naercio, a prova passou a ser realizada via computador, o que, pela primeira vez, tornou possível medir o tempo que os alunos dedicavam a cada exame.
Uma nova edição foi aplicada em maio passado a 19 mil estudantes brasileiros de 15 anos, em 661 escolas, e os resultados devem ser divulgados no segundo semestre de 2019.
O desempenho dos alunos brasileiros, de acordo com os dados, vai decaindo ao longo da prova. No primeiro bloco de perguntas, quando pressupõe-se que os alunos estão mais dispostos e descansados, o índice de resolução dos brasileiros é de cerca de 40% das questões. Intui-se, a partir daí, que esse desempenho se deva basicamente aos conhecimentos insuficientes sobre os temas abordados.
À medida que a prova avança, porém, a atenção, a motivação e a persistência parecem ter um peso crescente na probabilidade de acertos das questões. "Se pegamos o final da prova, temos (índice de resolução) de apenas 15% entre os alunos brasileiros, contra cerca de 50% entre alunos finlandeses e coreanos", explica Menezes.
Como muitos alunos sequer chegam ao final do exame, os pesquisadores creem que, além de não saberem o conteúdo, falte motivação e sobre dificuldade para gerir o tempo da prova.
E no Enem?
Para Menezes, esses mesmos problemas que aparecem no Pisa podem prejudicar o desempenho dos alunos também no Enem. Mas com uma diferença crucial: no Enem, os alunos se esforçam mais para garantir uma vaga na faculdade.
"Temos de levar em conta duas motivações: a intrínseca, de cada pessoa - de encarar uma prova como um desafio, como (fizeram) os alunos da Coreia e da Finlândia no Pisa. Eles começam bem e se mantêm bem durante toda a prova. E temos a motivação extrínseca, que é a recompensa de ir bem. O Pisa não tem isso, porque não acontece nada (ao aluno individualmente) se ele for mal na prova."
O pesquisador garante, no entanto, que ainda são necessários novos estudos para entender exatamente o que se passa com o aluno brasileiro durante a prova do Pisa.
"A questão principal é entender o que está acontecendo; se o aluno fica só olhando, sem saber como fazer a prova, ou se ele tenta resolver e não consegue. Pode ser que ele não saiba calcular o tempo para cada questão, já que gasta muito tempo nas primeiras. Pode ser que tenha desanimado logo de cara", aponta o pesquisador.
Pesquisas em alta
O papel das habilidades socioemocionais já era intuitivamente conhecido por muitos educadores, mas ganhou a atenção dos economistas quando começaram a aparecer indícios de que essas capacidades influenciam não apenas notas escolares, mas produtividade na vida adulta e, por consequência, o desempenho econômico geral de um país.
Centros de estudos em universidades como Harvard e Chicago têm mostrado que as habilidades socioemocionais melhoram à medida que forem praticadas - e, por isso, devem ser ensinadas desde os primeiros dias de vida de uma criança e praticadas ao longo da vida escolar. As que não são estimuladas acabam tendo chances menores de desenvolver a capacidade de autocontrole de suas emoções, foco, flexibilidade, de pensar antes de agir e de traçar objetivos.
Isso, no futuro, tende a se traduzir em menor produtividade, mais desemprego e até probabilidade maior de entrar à criminalidade.
"O impacto disso no mercado de trabalho começou a ser notado", explica Menezes. "(As habilidades socioemocionais) parecem ser tão importantes quanto as habilidades tradicionais, como inteligência, raciocínio e memória. Seu impacto no crescimento econômico é parecido. Não são só os anos de estudo e conhecimento que importam para o crescimento de um país, mas também perseverança, motivação e resiliência."
'Investir nas crianças'
Para Menezes, muitos dos problemas que afetam os jovens brasileiros hoje - como a dificuldade para entrar no mercado de trabalho e os altos índices de desistência no ensino médio - refletem habilidades socioemocionais pouco desenvolvidas. Muitos fatores influenciam nesse problema: a falta de estímulo no ambiente familiar ou a precariedade das condições da escola, por exemplo.
"Se a criança está acostumada desde cedo a ter curiosidade,se for estimulada a procurar soluções para problemas, a ler e a discutir, ela vai ter a vontade e a curiosidade de resolver uma prova, representando o seu país (como no caso do Pisa). Isso são coisas que vão se acumulando desde o nascimento", explica Menezes, citando as dificuldades adicionais enfrentadas pelas crianças mais pobres, que muitas vezes têm menos oportunidade de receber estímulos de qualidade em casa e no ambiente escolar.
Uma preparação prévia dos alunos para o Pisa, na visão de Naercio, já poderia melhorar um pouco o desempenho do Brasil na prova. Mas para preparar bem os alunos para o futuro, a saída, recomenda o pesquisador, é cuidar da criança desde os primeiros momentos de vida, com investimentos de longo prazo.
"O principal caminho é investir nas crianças. Vai demorar 15 anos, mas se a gente tomar conta de todas as crianças que nascem hoje no Brasil e não deixar elas passarem estresse, não deixar que elas fiquem largadas, sem serem estimuladas, a gente constrói em não muito tempo uma geração capaz de se dedicar. Não se trata de esquecer os jovens, mas priorizar as novas gerações - porque continuam nascendo novas gerações que provavelmente vão ter esse mesmo desempenho (ruim)", diz ele.
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